terça-feira, 14 de março de 2017

Maria, entre o despejo e a morte, escolheu a morte

A 6 de Março Maria suicidou-se. Dia em que iria ser despejada por prestações em atraso ao banco, agentes de execução de uma ordem de despejo e militares da GNR encontraram-na em casa sem vida...

O que enfrentava Maria, será sempre difícil de saber, mas podemos, pelo menos, tentar avaliar algumas questões, duríssimas, que se colocam perante uma situação tão violenta como esta.

O sentimento de culpa de quem contraiu uma dívida e não a paga. Responsabilizada por ter contraído um crédito e parecer que é uma escolha sua comprar casa - apesar de toda a política ter direcionado, senão obrigado, as pessoas a fazê-lo, pois o arrendamento não era (nem é) alternativa. Ter assinado um contrato que atribui toda a responsabilidade a quem o assinou (e aos fiadores, muitas vezes familiares, com tudo o que isso implica). Não honrar o pagamento de um crédito é motivo de censura, mesmo que o que se ganha deixe de ser suficiente para pagar. Quem não pague as suas dívidas é culpado, assim prevê a sociedade disciplinadora da dívida, por onde tudo hoje passa.

Associado ao sentimento de culpa, está o isolamento de quem vive um problema como este: a culpa gera vergonha, o constrangimento da exposição.... além disso, é difícil encontrar quem possa ajudar.

Ser posto/a na rua pela polícia e agentes de execução é muito humilhante e violento, certamente um evento tão traumático, que nem todos/as lhe conseguem sobreviver. 

Maria poderia também saber que mesmo depois de despejada, se a venda da casa não perfizesse o capital em dívida, não se livraria de novas prestações, uma dívida que a iria perseguir para a vida. Como se poderia ela levantar de novo, pagar outra casa, sustentar a família?

Provavelmente a crise abalou a vida de Maria, uma crise que não provocou, mas antes instituições bancárias como a que a iria despejar. Essa crise e as políticas impostas que se lhe seguiram, provocaram problemas profundos, empobreceram a sociedade, famílias que viram os seus rendimentos vigorosamente cortados. Nos anos dourados do crédito à habitação e de desenvolvimento da bolha imobiliária os bancos fizeram um festim bilionário, os mesmos que organizam lavagem de dinheiro, fuga aos impostos, transferências para offshores, corrupção (veja-se tudo o que se tem sabido recentemente), depois deram-se ao luxo de ir à falência e serem prontamente resgatados pelos Estados e, ainda assim, despejam implacavelmente quem deixe de cumprir três prestações.

Ao nível da política não há ajudas ou alternativas para as famílias em situação de sobre-endividamento ou incumprimento bancário, que disparou precisamente após a crise. Os bancos foram salvos, mas as pessoas não viram quaisquer medidas de contingência e de proteção. Na verdade pagaram e continuam a pagar a crise dos primeiros.

O anterior governo criou um mecanismo de proteção que era no mínimo hipócrita: anunciava ajudar as famílias sobre-endividadas, mas os critérios eram difíceis de satisfazer cumulativamente. Além disso, as famílias não tinham conhecimento destas medidas nem eram informadas pelas entidades obrigadas a fazê-lo (os bancos, claro). Entretanto, esse regime caducou a 31 de Dezembro de 2015. Há um ano, a associação Habita alertou para a falta de um regime de proteção nestas situações, no âmbito das reuniões com o BE, o PS e o governo, no chamado grupo de trabalho da habitação, cujo relatório, já feito, não saiu até hoje (já lá vão 9 meses). Anunciou-se que se iria fazer alguma coisa em relação ao assunto, mas não se fez nada. Situações como a de Maria deveriam pesar na consciência deste governo, atempadamente alertado para a situação, mas não pesam... mais aborrecido será sempre o telefonema de um banqueiro.

Não se sabe quantas pessoas perderam a sua casa nestas circunstâncias, e quantas podem estar em risco. Não se sente necessidade de o saber, muito menos de qualquer medida que vise defender as vítimas da política única de compra de casa própria e da crise.

Porque Maria morreu e por tudo isto é que esta situação, além de terrivelmente trágica, é muito vergonhosa e sintoma gritante da sociedade e da política que temos. É que poucos se preocupam ou indignam com os despejos por motivos económicos (pelos bancos, senhorios, autarquias) e a forma como continuam a acontecer demonstra total insensibilidade, uma banalização da violência.

Hannah Arendt ao estudar o regime nazi falou-nos de sistemas político-institucionais e burocráticos que trivializam a violência, que banalizam o mal. É a falência do pensamento. Urge pensar! Urge questionar o que é hoje normalizado, que valores defendemos, quem salvamos e quem deixamos cair.

Maria não deveria ter caído, Maria não deveria ter sido sujeita a esta escolha tão atroz.



Rita Silva

quarta-feira, 8 de março de 2017

O Ponto do Porto

Cinco décadas após a primeira utilização do termo gentrificação -  enquanto designação de uma violenta transformação urbana dos bairros operários londrinos em bairros de classe média- o fenómeno generalizou-se em zonas estratégicas das cidades, conduzindo à sua valorização artificial e à expulsão das populações economicamente mais vulneráveis, incapazes de "pagar o seu direito à cidade", então progressivamente empurradas para as margens urbanas.
Enquanto processo de elitização do espaço urbano, este fenómeno de substituição populacional tem vindo a afirmar-se no Porto a uma velocidade vertiginosa e inversamente proporcional ao direito à cidade. Reflecte-se nas crescentes dificuldades de acesso ao mercado de arrendamento habitacional, na monofuncionalização urbana ou no agravamento da precariedade que caracteriza o trabalho no sector turístico. Estes fenómenos sociais são hoje facilmente dissimulados pela limpeza urbana, fachadismo e dinâmicas lúdicas que têm vindo a animar a Cidade.
No Porto, este fenómeno surge associado a um turismo enquanto "tábua de salvação" de um centro antigo deprimido e abandonado durante anos em prol de uma política urbana de expansão periférica. A venda da imagem "Porto, Património Mundial da Humanidade" (1996) surge como pretexto perfeito para uma transformação especulativa da Cidade -então classificada-, acelerada nos últimos anos por uma "nova lei do arrendamento urbano" e pela liberalização dos instrumentos de gestão urbanística, consequentes de um urbanismo neoliberal.
Num contexto político-operativo em que a classificação enquanto património de uma determinada área da Cidade -porque entendida como fundamental para a nossa identidade enquanto seus habitantes- deveria garantir a sua defesa perante os processos especulativos e até mesmo as necessidades vitais da contemporaneidade, deparamo-nos com o paradoxo de uma extensiva exclusão ao direito de usufruto desta Cidade e de todo o acesso à cultura que nela se encerra, formalizado, em parte, pela expulsão dos seus habitantes sob o pretexto de operações de reabilitação urbana, muitas com vista à exploração turística. A este fenómeno, as entidades governativas têm respondido não só com uma posição oficial favorável, mas também com o apoio financeiro suporte destas dinâmicas urbanas, entendendo então os próprios habitantes como uma ameaça, enquanto elementos de resistência ao processo de desenvolvimento económico.
A própria intervenção arquitectónica a que são submetidos os edifícios que suportam este entendimento de identidade denota mais uma espécie de imposto cultural determinado pelo poder público do que qualquer consciência ou convicção patrimonial, conduzindo ao desmantelamento das próprias arquitecturas e estruturas urbanas, suporte da imagem de marca “Porto, Património Mundial da Humanidade”. Passa o “Porto.” a confundir-se com qualquer outro ponto, replicável num qualquer parque temático, onde o simulacro de preservação se afirma enquanto “política de reabilitação urbana”.
Naturalmente, a voracidade deste fenómeno urbano não poderá ser desconectada de uma sobrevalorização institucional do turismo de massas, subjacente a um conceito de desenvolvimento criado nos Estados Unidos da América no final dos anos quarenta, associado à emergência de uma sociedade de consumo de massas e à democratização do lazer, conduzindo ao enraizamento de uma cultura consumível, simultâneo ao de um consumo enquanto cultura. Daqui, a perda do património e das dinâmicas que suportam a civitas; a perda da cidade, então esvaziada pela sua própria mercadorização.
Estamos perante um cenário de transformação urbana e social no qual a resposta pública negligencia qualquer abordagem a fundo e de forma equilibrada, demitindo-se do seu papel planeador e regulador, irrompendo de forma isolada – espacial e temporalmente- e paliativa, perante uma cidade caracterizada por uma crescente segregação funcional, agravante dos desequilíbrios sociais que caracterizam o Porto de hoje.
Pensar o Porto de forma participada a partir dos fenómenos que têm vindo a assomar-se enquanto resultados da fragilidade em que a cidade democrática se encontra é o que se tem procurado fomentar, enquanto activistas que, de forma mais ou menos directa, têm vindo a desenvolver trabalho de proximidade e de reconhecimento das problemáticas com que se deparam os que vivem (n)a Cidade1. Importa agora perceber como poderá este fenómeno ser revertido a partir de medidas incisivas e direccionadas para quem nela vive e aqui encontra o espaço da cidadania, promovendo uma desejável heterogeneidade funcional, correspondente a um ideal de viver, trabalhar e recrear-se na mesma cidade.

1 Destacam-se os debates conduzidos no 4.º Fórum da Precariedade e Desemprego “Ninguém fica para trás”, 16 e 17 de Dezembro de 2016 (Precários Inflexíveis) relativo à precariedade no turismo e na Jornada com os Left Hand Rotation “Gentrificação em Conversa”, 22 de Janeiro de 2017 (Contrabando- espaço associativo, Habita65, Left Hand Rotation, Projecto Inducar, Punkto, The Worst Tours), assim como a campanha em curso “Turismo precário” (Habita65, Precários Inflexíveis) e o Workshop relativo aos fenómenos de Gentrificação a acontecer no Porto em Abril de 2017 (Contrabando- espaço associativo, Habita65, Left Hand Rotation, Projecto Inducar, The Worst Tours).

Daniela Alves Ribeiro
(Habita - Porto)

quinta-feira, 2 de março de 2017

Relatório sobre Portugal apresentado por Leilani Farha, Relatora Especial das Nações Unidas para a Habitação Adequada, ao Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra


A relatora apresentou no dia 1 e 2 de Março o relatório final da visita que fez a Portugal em Dezembro passado sobre o estado do direito à habitação no nosso país, no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas.

Destacamos as afirmações da relatora no que concerne aos graves problemas que enfrentamos no que diz respeito ao direito à habitação e que têm vindo a ser denunciados sistematicamente pela associação Habita, assim como as recomendações que faz ao governo e autarquias:

O relatório pode ser encontrado aqui

Os problemas destacados pela Relatora:

  • Portugal ocupa a 22ª posição em 28 países no Índice Europeu de Exclusão de Habitação 2016
  • As medidas de austeridade que, pela sua natureza, resultaram num aumento dos níveis de pobreza, menores benefícios de protecção social, taxas mais elevadas de falta de moradia e habitação não acessível, serviços públicos e outros serviços públicos.
  • Apenas 2 por cento de todo o parque habitacional é alocado à habitação social, uma das taxas mais baixas da Europa. São apenas 120.000 unidades de habitação social, um número que parece bastante baixo à luz da taxa de pobreza nacional.
  • No que se refere ao acesso a serviços e infra-estruturas, um elemento importante de uma habitação adequada ao abrigo do direito internacional dos direitos humanos, o Índice Europeu de Exclusão de Habitação para 2016 mostra que aproximadamente uma em cada quatro pessoas em Portugal tem sérios problemas para manter a sua casa quente (23,8% Em 2015), quase três vezes mais do que no resto da União Europeia. A grave privação de habitação é uma questão de preocupação, especialmente para os jovens entre 20 e 29 anos, e aumenta drasticamente o risco de falta de moradia.
  • De acordo com o direito internacional, para que a habitação seja adequada, ela deve ser acessível, especialmente para aqueles que vivem na pobreza. Em 2015, 33,5 por cento das famílias pobres viviam em situações inaceitáveis ​​e, portanto, estavam em risco de cair em atraso ou encerramento hipotecário, um aumento de 3 por cento em apenas dois anos. De acordo com as informações recebidas pelo Relator Especial do INE, 11% das pessoas que vivem na pobreza vivem em graves carências de habitação e quase 10,3% (21% das quais são pobres) vivem em famílias superlotadas.
  • Pouco realojamento tem sido testemunhado nos últimos 20 anos, o que significa que aqueles que não foram incluídos no recenseamento do PER continuam a viver em habitações "não convencionais" e estão em risco iminente de despejo ou demolição de casas. IHRU estima que 3.301 famílias continuam a precisar de reassentamento. Os novos imigrantes de suas ex-colónias em Portugal muitas vezes não têm outra alternativa senão viver nessas áreas.
  • A Relatora Especial foi informada de que o programa PROHABITA tinha recebido para 2017 apenas uma pequena dotação orçamental de 5,5 milhões de euros - que o Governo admite que é baixa - depois de vários anos sem financiamento.
  • Aproximadamente 57 por cento da população entre 18 e 34 anos de idade continuam a viver com seus pais,
  • Foram levantadas preocupações sobre o Regime de Arrendamento Urbano, em particular no que diz respeito à facilidade com que as expulsões podem ser realizadas.
  • Os despejos forçados constituem uma grave violação do direito internacional dos direitos humanos e, por conseguinte, são proibidas. Tendo em conta as suas repercussões nos direitos humanos, só se justificam nas circunstâncias mais raras e excepcionais e no estrito cumprimento das normas e directrizes internacionais em matéria de direitos humanos.
  • Os assentamentos informais, como os de Loures, onde a comunidade cigana e afrodescendente são forçados a viver, são uma vergonhosa mancha. Algumas comunidades vivem sem eletricidade. Suas casas estão em meio a lixo, são escuras, mal construídas de estanho e detritos, e expostas à chuva, vento e superaquecimento nos meses de verão. Estas são as condições de habitação que se espera nunca ver, e certamente não num país desenvolvido que ratificou instrumentos internacionais de direitos humanos que protegem o direito a uma habitação adequada. Contrariamente à legislação internacional em matéria de direitos humanos, várias famílias foram expulsas de suas casas no município de Amadora ou foram demolidas e, como consequência, ficaram sem teto (ver A / HRC / 31/54).
  • Em outras partes do município, as famílias que têm estado em pé por mais de 30 anos, que têm contribuído para o desenvolvimento da comunidade (por exemplo, nomeando suas próprias ruas com sinais pintados à mão), continuam a viver com medo de despejo ou demolição porque residem em terras que o município gostaria de desenvolver devido ao aumento do valor fundiário. Os residentes exigem, de acordo com a legislação e normas internacionais de direitos humanos, a segurança da posse (ver A / HRC / 25/54).
  • As condições de vida na maioria das ilhas ( no Porto) são extremamente inadequadas, contrárias aos padrões internacionais de direitos humanos, e só podem ser descritas como devastadoras. Uma preocupação profunda é o número de idosos que vivem nessas casas, muitos com deficiência ou mobilidade limitada, estão completamente isolados e raramente conseguem sair, exceto para consultas médicas. Outra preocupação séria é que vários residentes, incluindo mães solteiras, tenham sido informados de que os seus filhos podem ser levados pelas autoridades de segurança social devido às suas condições de habitação, apesar de não terem sido disponibilizados alojamentos alternativos. Muitos inquilinos têm pouca ou nenhuma renda para além de uma pequena pensão ou uma renda de integração social baixa (181 euros por mês em 2016, embora variando de acordo com a composição do agregado familiar), e a maioria tem estado em listas de espera para habitação social durante anos.
  • A questão dos sem-abrigo é uma violação flagrante do direito à habitação adequada ao abrigo do direito internacional dos direitos humanos e, como tal, deve ser tratada como uma prioridade imediata (ver A / HRC / 31/54). Todas as partes interessadas, incluindo o Governo, concordam que o número total de indivíduos sem-teto é desconhecido. As estimativas variam amplamente de 4.000 para 50.000, sugerindo que não há uma compreensão firme da extensão do problema e nenhuma metodologia consistente para contar as pessoas sem-teto. Sem um retrato mais exato da população dos sem-abrigo - não apenas números mas suas necessidades - será difícil endereçar sua situação eficazmente. A composição da população desabrigada parece ter mudado como resultado da crise financeira, com mais jovens adultos enfrentando falta de moradia do que nas últimas décadas, devido às altas taxas de desemprego e à falta de habitação a preços acessíveis.
  • Em Lisboa, a Relatora Especial visitou habitação social que se encontrava num grave estado de abandono e negligencia.Um bairro particularmente degradado, construído há apenas 16 anos, os edifícios estavam a perder pedaços, com paredes rachadas, fiação exposta, problemas de esgoto, sujo e com falta de áreas de lazer para crianças e pouco iluminado nas áreas comuns. Em alguns casos, as unidades vazias foram simplesmente fechadas, não utilizadas, apesar das listas de espera excepcionalmente longas. A Relatora Especial foi também informada de que a falta de habitação social suficiente tinha levado à superlotação. De acordo com o INE, em 2012, a proporção de residências primárias superlotadas em Portugal representou 11 por cento do total da habitação.
  • A Relatora Especial não conseguiu encontrar informações fiáveis ​​sobre a percentagem de orçamentos nacionais e municipais destinados à manutenção e construção de habitação social. De acordo com o memorando de entendimento, o foco das políticas e programas implementados pelas autoridades governamentais e municipais é a criação de opções de habitação privadas, baseadas no mercado....
  • Os arrendamentos de curto prazo (Alojamento Local), especialmente quando se tornam a principal forma de ocupação de bairros específicos, podem enfraquecer as redes comunitárias e o tecido social de uma cidade, o que, por sua vez, mina a promoção do arrendamento de longo prazo como um sistema de posse essencial para os moradores locais.
  • A "touristificação" desenfreada pode ter outros efeitos negativos sobre o gozo do direito à habitação para as populações mais vulneráveis. Quando o proprietário escolhe vender ou renovar sua propriedade, muitas famílias podem ser deslocadas de seus bairros devido à falta de habitação a preços acessíveis em outros lugares, ou são mais facilmente despejados no processo.
  • Apesar do enorme afluxo de capitais, o esquema dos Vistos Dourados não provou, na opinião da relatora especial, ser benéfico para as pessoas mais necessitadas em Portugal. Não resultou na criação de empregos, e nem mesmo uma parte dos seus rendimentos foi aplicada para desenvolver habitação a preços acessíveis. De fato, o esquema, ao lado de outros fatores como a escassez de arrendamento de longo prazo, o acesso mais fácil ao crédito para a compra de moradias para alguns e baixas taxas de juros, pode ter exacerbado as questões de acessibilidade para famílias de rendimento médio e baixo. Habitação e preços do arrendamento estão a subir a uma taxa que causa preocupação em todos os centros urbanos.
  • A população cigana continua a ser vítima de discriminação no acesso à habitação e recomenda-se que sejam tomadas medidas especiais para melhorar as condições de alojamento (CERD / C / PRT / CO / 15-17). De igual modo, em 2014, o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais manifestou preocupações quanto ao facto de as listas de espera de habitações sociais serem longas e de que muitos ciganos não preenchiam os requisitos de elegibilidade para habitação social no âmbito do Programa Especial de Reafectação (ver ponto 33) Não foram incluídas no censo de 1993 (E / C.12 / PRT / CO / 4).
  • A Relatora Especial está preocupada com a exclusão e a discriminação de algumas pessoas de origem africana, em grande parte de antigas colónias portuguesas, que também estão entre os mais pobres e mais carenciados em termos de acesso a uma habitação adequada. As pessoas de ascendência africana convivem com os ciganos em assentamentos informais, onde são forçados a viver em condições extremamente inadequadas, marcadas pela falta de habitação social disponível suficiente e de um programa de suplemento de renda, ou qualquer outra solução privada de acesso ao mercado para habitação. Aqueles que vivem na pobreza.
  • A acessibilidade continua a ser um grande desafio em Portuga. A discriminação das pessoas com deficiência no sector da habitação é comum e continuam a enfrentar muitos obstáculos para viver de forma independente, nomeadamente devido à falta de uma estratégia nacional para facilitar e apoiar a vida independente na comunidade em vez das instituições, como previsto no artigo 19 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD / C / PRT / CO / 1, parágrafos 38-39).
A Relatora Especial recomenda aos governos nacionais e subnacionais:

  • Adoptar uma lei-quadro nacional da habitação, formulada em consulta com todas as partes interessadas e com base nos princípios internacionais em matéria de direitos humanos. Essa lei proporcionaria consistência e coerência nas políticas e programas de habitação do Estado. Deve incluir metas mensuráveis, cronogramas, um foco sobre aqueles em situações vulneráveis, e a distribuição e coordenação de responsabilidades entre os diferentes níveis de governo, com mecanismos eficazes de monitoramento, prestação de contas e reivindicação. Uma lei-quadro nacional da habitação deste tipo poderia garantir que as várias políticas e programas em vigor atingissem as populações que enfrentam as piores desvantagens de habitação, tais como os ciganos, as pessoas de ascendência africana, as mulheres que fogem da violência, as pessoas com deficiência, as crianças, os jovens e todos aqueles que São pobres ou que pertencem aos "novos pobres";
  • Comprometer-se a pôr termo à situação dos sem-abrigo como uma prioridade, em consonância com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, não deixar ninguém para trás e garantir uma habitação adequada, segura e acessível e serviços básicos para todos e a Nova Agenda Urbana; Devem assegurar que as lições aprendidas com a primeira estratégia nacional sobre as pessoas sem abrigo sejam incluídas numa nova estratégia, incluindo a garantia de um processo participativo para o seu desenvolvimento e amplas consultas com os municípios específicos envolvidos na implementação da estratégia; E assegurar que a nova estratégia incentive medidas preventivas, não apenas intervenções de crise;
  • Avaliar e abordar as condições de habitação em todos os assentamentos informais de forma urgente e prioritária, inclusive para as comunidades ciganas e comunidades de afrodescendentes, de acordo com as metas traçadas na estratégia nacional de habitação;
  • Impedir demolições e despejos que resultem em falta de habitação. As crianças não devem ser removidas de seus pais por falta de moradia adequada. Planos para comunidades desfavorecidas devem ser desenvolvidos e implementados em consulta com as populações afetadas e devem incluir princípios-chave de direitos humanos, como segurança de posse, realojamento in situ, acesso a serviços básicos, incluindo água, saneamento e eletricidade, acessibilidade e dignidade condições de vida.
  • O Governo deve trabalhar em estreita colaboração com o Município do Porto e os residentes das Ilhas para assegurar que todos os residentes neles disponham de alojamento adequado, quer através de reformas ou deslocalizações para habitação a longo prazo acessível, e alocam recursos financeiros suficientes para esse fim.
  • As administrações centrais, municipais e autónomas devem desenvolver uma visão comum das cidades em Portugal, com vista a garantir que sejam lugares de inclusão e não predominantemente afluentes para turistas, e assegurar a efectiva implementação dos direitos de habitação e alojamento adequados. A não discriminação dos residentes de longa duração deve ser uma prioridade. Deve ser alcançada uma melhor coordenação entre os níveis de governo (nacional e local), incluindo um fluxo adequado de recursos.
  • Os governos devem adotar novos mecanismos regulatórios para prevenir o deslocamento por meio da "turistificação". Devem examinar políticas e práticas eficazes em outras cidades ao redor do mundo enfrentando situações semelhantes com o objetivo de proteger os indivíduos do impacto negativo desse fenômeno e da especulação imobiliária.
    A Relatora Especial recomenda, além disso, às autoridades nacionais e regionais:
  • Rever os procedimentos de despejo, incluindo as medidas administrativas recentemente adotadas, para assegurar que eles protejam adequadamente os direitos dos inquilinos, particularmente para não serem despejados, e assegurem que eles tenham acesso a assistência jurídica ou outro apoio legal para desafiar despejos em tribunal;
  • Realizar uma avaliação da necessidade real de habitação social, habitação subsidiada e / ou habitação controlada por renda em todo o país; O Governo deve então assegurar o fornecimento de habitação a preços acessíveis (definido em termos de custos relativos ao rendimento, não em termos de valor de mercado) para aqueles com os menores rendimentos e aqueles em listas de espera.
  • O parque habitacional social existente deve ser mantido em bom estado de conservação, de acordo com as características de uma habitação adequada, tal como definida pelo Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais na sua observação geral n.º 4 (1991). Deve existir um sistema que assegure a alocação eficiente de unidades vagas em habitação social, à luz das longas listas de espera.
  • O arrendamento de longa duração deve ser promovido como meio alternativo de acesso a habitação as acessível. As locações de curto prazo voltadas para o setor turístico devem ser regulamentadas e o seu impacto na acessibilidade financeira deve ser avaliado adequadamente com vistas a combater práticas que resultem na exclusão de moradores de longo prazo de bairros específicos.
  • Os programas de habitação, como os propostos pelas cooperativas de habitação para novas habitações e modernização urbana, ou os emergentes da orçamentação participativa, reforçam a participação real e efectiva da população directamente envolvida na concepção e implementação de políticas de habitação. Também devem ser promovidas formas coletivas e cooperativas de propriedade e uso da terra e da habitação.
  • Deve-se considerar seriamente a identificação de terras desocupadas ou, quando possível, a expropriação de terras para uso público, de modo a garantir a segurança da posse de bairros autoconstruídos e aumentar a disponibilidade de terras para fins sociais habitação.
  • As autoridades nacionais e subnacionais devem intensificar a utilização dos recursos máximos disponíveis no sector habitacional, nomeadamente assegurando que as receitas provenientes de políticas como vistos dourados, impostos sobre a propriedade ou impostos sobre o turismo sejam investidas com o objectivo de proporcionar acesso aos mais marginalizados da sociedade.