segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013


STOP DESAHUCIOS DISPAROU  
AO CORAÇÃO DO CAPITAL
Dizia Sieyès nos seus escritos políticos sobre a Revolução que os não proprietários não são mais que uma multidão sem liberdade nem moralidade. Com excepção da Revolução haitiana, todas as tradições revolucionárias sobre as quais se construíram os edifícios constitucionais liberais e sociais-liberais, assentaram na propriedade privada como eixo jurídico vertebrador das relações entre economia e política. A democracia norte-americana dos pais fundadores baseava-se, de facto, na protecção dos interesses dos proprietários das terras e dos escravos e na assunção de que, como escreveu John Adams, desde o momento em que se instala a ideia de que a propriedade não é tão sagrada como as leis de Deus, começam a anarquia e a tirania. A Revolução francesa, que na sua etapa jacobina proclamou a igualdade como princípio, juntamente com a liberdade e a fraternidade, mostrou como o desenvolvimento dos acontecimentos terminou convertendo a igualdade num direito puramente formal, ao mesmo tempo que constitucionalizava as relações materiais derivadas da propriedade privada. Identificou-se o homem político com o homem proprietário, e só assim se explica a exclusão criminosa dos revolucionários haitianos, esses jacobinos negros que puseram de joelhos as potências coloniais da época, de tradição “democrática” no pensamento ocidental.
Nestes tempos em que os jovens da esquerda espanhola enfrentam a decrepitude política dos seus líderes, no que toca ao processo constituinte, poucos se hão dado conta de que o primeiro passo nessa direcção foi dado pelo movimento contra os despejos. Aqueles que criticam a reivindicação da dação em pagamento por ser “reformista”, aqueles que na sua arrogante míopia senil pensam que a correlação de forças se mede pelos resultados eleitorais, parecem não perceber que a PAH disparou com êxito ao coração do Capital, ao tornar inquestionável entre os cidadãos que a ideia de que o direito à habitação deve estar por cima do direito à propriedade e de que o crime não deriva apenas de comportamentos individuais, mas também das leis que permitem a existência de entidades financeiras que lucram à custa das vidas da maioria. Se acrescentarmos o facto de que incorporaram na luta política os sectores subalternos da força de trabalho colectiva mais afectados pela crise (trabalhadores migrantes, desempregados e precários) em contraste com os sindicatos tradicionais que continuam a representar fundamentalmente os sectores da classe trabalhadora em recuo (trabalhadores industriais com contratos colectivos decentes, trabalhadores e funcionários públicos) podíamos afirmar que o partido dos comunistas do século XXI em Espanha é sem dúvida a Plataforma dos Afectados pela Hipoteca.
Aí está uma das chaves na possibilidade de abertura de um processo constituinte; no simples facto de que o projecto histórico de reforma social da social-democracia, que jamais pôs em causa a propriedade privada como base constitucional dos nossos sistemas políticos, simplesmente se esgotou. Não tem a ver unicamente com o peso eleitoral que se tenha, mas sim com as transformações nas condições materiais da estrutura social que tem sido o que permitiu que, neste país, os bancos, o símbolo máximo da propriedade, pudessem ser vistos como criminosos. É assim que o medo muda de lado.

Pablo Garcia, jornal Publico (ES), 16 de Fevereiro de 2013.
 Tradução de André Carmo para o HABITA

Sem comentários:

Enviar um comentário