quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Sobre as alterações à legislação do arrendamento urbano

Têm sido anunciadas algumas informações sobre alterações ao NRAU (Novo Regime de Arrendamento Urbano). A associação Habita vem manifestar algumas opiniões e propostas no âmbito da vasta experiência na defesa do direito à Habitação e à Cidade.
1 –Tem sido anunciado na comunicação social o congelamento das rendas durante mais cinco anos. Essa informação está totalmente desfasada da realidade. Na verdade as rendas  não estão congeladas desde o início dos anos 90. E apenas os contratos anteriores a 1990 estavam sujeitos a um arrendamento controlado com atualização anual.
Com a entrada do novo regime de arrendamento urbano em 2012, as rendas anteriores a 1990 foram sujeitas a novos aumentos, muitas para valores de mercado livre, sendo criado um regime de transição, com aumentos faseados, para pessoas com mais de 65 anos e rendimentos baixos, com incapacidade superior a 60%, ou com rendimentos médio-baixos, coletividades e empresas de baixa faturação. As rendas não estão por isso congeladas há muito.
2 – Saudamos o alargamento do período de transição para pessoas com mais de 65 anos e, simultaneamente com rendimentos baixos, ou com incapacidade superior a 60%. No entanto, preocupa-nos que os restantes casos previstos anteriormente na lei tenham ficado de fora deste prolongamento. Por exemplo, a situação das pessoas com menos de 65 anos e com rendimentos baixos já não estará  contemplada. Estas ficaram fora do novo período de transição. Consideramos que o Governo não poderá deixar estas famílias desprotegidas, devendo salvaguardar a protecção dos arrendatários que não têm forma de fazer face aos aumentos previsíveis para 2017.
3 – Saudamos que dois dos problemas principais da lei do arrendamento tenham sido igualmente levantados, mas aguardamos expectantes a resolução no que diz respeito:
a)  À extinção do Balcão Nacional do Arrendamento, cuja única função é a agilização do despejo retirando-o da alçada dos tribunais, principal garante dos direitos e garantias dos cidadãos. A única situação que nos parece aceitável e respeitadora de Estado de Direito é que os litígios e conflitos voltem aos tribunais e que seja extinto o BNA;
b) À revisão da possibilidade de despejo através da mera alegação, por parte do senhorio, da realização de obras profundas (nem sequer comprovada), principal mecanismo para os despejos e expulsão de população das nossas cidades no sentido da promoção dos projetos turísticos e/ou da reabilitação destinada a um sector de luxo, que procuram apenas alta rendibilidade, aniquilando qualquer direito à habitação e à cidade. Este mecanismo de expulsão e de profunda instabilidade no arrendamento não pode continuar.  É necessária a reintegração do inquilino.
4 - Perante os milhares de despejos provocados pela nova lei, é preciso, com urgência, apoio e alternativas de habitação adequada para quem se encontre em situação de carência económica. Não podemos continuar a assistir a milhares de despejos ou a situações de pessoas sem casa, sem nos perguntarmos o que acontece a estas famílias, qual o seu nível de desespero, se vivemos num Estado de Direito que respeita o direito à vida e os restante direitos fundamentais.
Sendo a habitação uma necessidade e um direito fundamental, o Estado tem e assumir o seu papel, assegurando formas de provisão verdadeiramente acessíveis à população e uma efetiva regulação do mercado. Temos muitas dúvidas que apenas a criação de regimes de incentivos, como seja um seguro de renda, sejam eficazes para fazer face à especulação, repercutida em aumentos na ordem dos 20 a 30% nas grandes cidades, completamente desadequados à realidade económica e social das famílias, então empurradas para uma crescente vulnerabilidade social.
A habitação social é residual no nosso país e estigmatizada, vista com preconceito até pelas instituições do Estado. No entanto, precisamos de mais habitação pública que satisfaça as necessidades sociais. Os subsídios de renda, reivindicação dos proprietários, serão uma forma de manter o arrendamento elevado e provocar grande rombo nas contas públicas, sem grande sustentabilidade. Assim, o gasto público deverá ser feito encontrando formas de manter as rendas a um nível aceitável, e a desenvolver outras formas de habitação para além do mercado. Por outro lado, é necessário o controlo da especulação imobiliária. Tememos que as chamadas "rendas acessíveis" não venham a ser acessíveis à maior parte da população que dela necessita. Simultaneamente, verifica-se a premência de um amplo processo de revisão à actual lei das rendas de forma a garantir o reequilíbrio de direitos entre proprietários e arrendatários.
É de extrema relevância o trabalho parlamentar desenvolvido no sentido de salvaguarda do direito à habitação. No entanto, tem de ser assumido o efeito nefasto da especulação no sector da habitação, garantindo, através na própria legislação, a regulação, e a protecção para todos, em particular face aos despejos aquando de situação de carência económica É necessário respeitar de forma efectiva os direitos e garantias fundamentais. Esse é o mandato e a responsabilidade do Estado.