segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Marcha pela dignidade na Amadora


No sábado, dia 5 de Dezembro, marchou-se pela dignidade na Amadora. Foi uma bela marcha perante muita gente que passeava e que não está habituada a ver as ruas serem tomadas por algo diferente de carros, comércio e publicidade. Juntou vários grupos, diversos nas suas influências, em uníssono contra a violência na Amadora, contra a impunidade e o assassínio pela polícia de jovens de bairros pobres, contra as demolições, pelo direito à habitação, contra os despejos, contra a câmara ao serviço do capital como é o fundo de investimento imobiliário do Millenium BCP e dos interesses imobiliários.

Fotos de Carlos Desirat

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Mais despejos brutais na Amadora


Enquanto a sociedade ficar indiferente a este tipo de coisas, nada vai mudar verdadeiramente. Só a solidariedade e a organização que tome posição forte e clara perante isto é que pode realmente organizar um poder de mudança real na sociedade. A indiferença e o deixa andar é o nosso mal... o silêncio (com algumas exceções importantes) perante esta violência sistemática que decorre no concelho da Amadora é o consentimento geral de que há pessoas de primeira e de segunda e que algumas lutas são mais importantes que outras..... (Rita Silva)


A Dona Dulce e os seus filhos, assim como, pelo menos, mais dois agregados,todos moradores do Bairro de Santa Filomena, Amadora, foram hoje despejados de forma desumana e a sua casa foi demolida sem qualquer notificação de pré-aviso pela Câmara da Amadora.

Amadora. Uma nova casa a céu-aberto
Ana Brígida 25/11/2015 12:26
No Bairro de Santa Filomena, alguns dos moradores viram, esta terça-feira, as suas casas serem demolidas. Agora estão na rua sem quaisquer condições. Muitos deles com idosos e crianças a cargo.

Esta terça-feira, antes das nove da manhã, houve despejos no Bairro de Santa Filomena, na Amadora, a mando da Câmara Municipal. Seis casas foram demolidas, sem qualquer aviso prévio, e cerca de 24 pessoas ficaram nas ruas sem solução. Algumas destas famílias, com pessoas idosas, crianças, doentes e desempregadas, estavam a aguardar noticias da Câmara para atribuição de habitação social. Funcionários da Câmara e vários elementos do corpo de intervenção estiveram presentes em mais um dia trágico para estas pessoas que vivem em pobreza extrema.
http://www.ionline.pt/artigo/482165/amadora-uma-nova-casa-a-ceu-aberto?seccao=Portugal_i

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Transatlantic Workshop on Alternative Housing Models - Berlim, 8-10 de Outubro de 2015


Durante os dias 8, 9 e 10 de Outubro ocorreu em Berlim uma mesa redonda intitulada Transatlantic Worshop on Alternative Housing Models, promovida pela Rosa Luxemburg Stiftung- New York Office a pela Right to the City Alliance, onde estiveram presentes representantes de várias associações activistas, colectivos e investigadores europeus e norte americanos que, de forma mais ou menos directa, têm vindo a explorar modelos alternativos de habitação. O colectivo Habita esteve presente neste Workshop.

O encontro decorreu fundamentalmente num antigo complexo industrial, integrado no tecido urbano de Berlim, constituído hoje como estrutura associativa de resistência à especulação imobiliária.

Durante os três dias de mesa redonda foi debatida uma série de temáticas relativas a modelos alternativos de habitação, maioritariamente centradas nos modelos de Cooperativas – não só habitacionais, também como modelo de organização social, Community Land Trusts e Ocupações.

Deste debate, evidencia-se a diferença de visão política relativa à questão da habitação entre Europa e América do Norte, ainda que cada vez mais ténue: se os modelos habitacionais apresentados para a América do Norte assentam maioritariamente em Cooperativas e Community Land Trusts, onde o privado é a entidade que promove e gere estrutura habitacional, não havendo se quer lugar à discussão relativa à habitação pública, na Europa, este tipo de iniciativas debatem-se simultaneamente com as questões de gestão do parque habitacional público.

Trata-se de modelos que se apresentam como potenciais de controlo perante a especulação imobiliária pela capacidade que det. Contudo, estes sistemas dependem de liquidez financeira – certamente mais imediata a partir de uma organização colectiva e não individual-, verificando-se a necessidade de recurso ao sistema bancário, substituído, nalguns casos, por fundações que trabalham com base nesse propósito.

Destas tipologias, e embora a Cooperativa tenha sido um modelo altamente incentivado e explorado em Portugal durante os anos 80, aquando da falta de soluções habitacionais para a população existente, destacam-se algumas ideias que poderiam ser aplicadas ao contexto nacional, nomeadamente a sua capacidade de combater processos de gentrificação, a promoção de sistemas de coabitação, com base em tipologias habitacionais adaptativas (número de pessoas por agregado familiar, temporalidade da habitação, …), a definição de taxas de esforço máximas para a habitação ou até mesmo o trabalho participativo neste tipo de estruturas.

Para além dos modelos de habitação alternativos, nesta mesa redonda houve espaço para debater algumas questões inerentes à habitação pública, muito mais vincadas nos países europeus do que na América do Norte onde é praticamente residual e altamente estigmatizada. Destaca-se a privatização que tem sido conduzida nos últimos anos no Reino Unido –onde na década de 1970, 1 em 3 habitantes viviam em habitação pública-, ou em Madrid, onde se verificou um processo de venda das habitações públicas a privados nos últimos anos. Também na Alemanha, embora aqui o processo esteja bastante mais institucionalizada. Aqui, a gestão do parque habitacional dito público, é feita por empresas privadas, o que tem conduzido ao acentuado aumento das rendas ditas públicas, de forma descontrolada. Da luta que tem sido travada em Berlim nos últimos anos, destaca-se a aprovação da alteração à lei relativa às políticas de habitação social, ainda que bastante longe das propostas inicialmente propostas.

Outras ideias foram também debatidas nesta mesa redonda e que, de forma mais ou menos directa, nos permitem pensar as questões da habitação. Destaca-se, a apresentação do coletivo PAH (Espanha) e a relevância que aqui foi dada aos movimentos sociais na alteração das estruturas políticas e à participação dos cidadãos; também algumas ideias relativas ao combate dos problemas relativos à habitação em Espanha que de forma muito directa se assemelham com os identificados em Portugal. A taxação das casas vazias há mais de dois anos, a negociação que o colectivo tem conseguido fazer com os bancos estabilizando rendas sociais para o pagamento das hipotecas são algumas das hipóteses de intervenção que poderão ser equacionadas em contexto nacional.

Embora em contextos distintos, ideias debatidas ao longo deste workshop poderão ser reinterpretadas em contexto nacional; poderão e deverão ser articuladas com o trabalho que, enquanto colectivo, a Habita desencadeou com as acções de Setembro.

Daniela Alves Ribeiro

20 de Outubro de 2015

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Caravana feminista estará na Amadora em solidariedade com mulheres que vivem em bairros auto-construídos

Amanhã, a Caravana Feminista que partiu do Curdistão/Turquia a 8 de Março e percorreu toda a Europa, no âmbito da IV Ação da Marcha Mundial de Mulheres, vai estar na Amadora para denunciar e marcar solidariedade com as mulheres que vivem em bairros auto-construídos e têm sido alvo de despejos e demolições massivos e autoritários. 

O dia de ação começará às 9h30 no Bairro de Santa Filomena donde sairá uma marcha que passará no 6 de Maio e finalizará na Cova da Moura. Depois do almoço, será o momento de abertura da ação final da IV Ação Internacional da Marcha, com Yıldız Temürtürkan (Curdistão) e Judite Fernandes (Portugal), ambas do Comité Internacional; Clara Carbunar (França), da Caravana Feminista; Isabel Marques e as Mulheres do Batuque, da Associação Moinho da Juventude. Haverá depois a apresentação do Documentário "Mothers' Strike", uma História de luta contra os despejos em Wałbrzych,  Polónia, promovido pelo Feminist Think Tank, Szum TV; a instalação do estendal “Violência sobre as Mulheres - Femicídios em Portugal”; Visitas ao Bairro; uma conversa sobre a luta das Amas; e ainda um debate sobre segregação urbana, racismo e direito à habitação.  

Com este dia de acção pretende-se contribuir para desafiar e questionar os múltiplos processos de segregação, precarização, discriminação, vulnerabilização e expulsão que, de forma tão violenta estão a ocorrer na Amadora. Sabemos que esses processos têm uma marca racista e que se cruzam com a discriminação de género e que apontam, de forma igualmente violenta, para quem está numa situação económica extremamente vulnerável. Lembramos que, ao longo dos últimos anos a Câmara Municipal da Amadora (CMA) tem despejado centenas de pessoas, muitas delas crianças, idosas, com doenças crónicas, que ficaram sem qualquer alternativa habitacional digna e adequada às suas condições de vida. Entre as pessoas desalojadas, há um forte peso de mulheres, que foram afectadas pela onda de despejos de forma particularmente violenta. 

16 de Outubro [Lisboa] – Em Lisboa, na Fábrica Braço de Prata, o dia será dedicado à realização de oficinas, tertúlias e debates com o mote Corpo, território com múltiplas estratégias feministas. 

17 de Outubro [Lisboa] – No último de manhã haverá uma assembleia sobre Mulheres e Guerras e à tarde terá lugar a assembleia final, ambas no Auditório da Reitoria da Universidade Nova de Lisboa. Depois de uma Marcha pelas ruas de Lisboa haverá uma Festa-Concerto, no Largo do Intendente.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Como transformar a habitação num privilégio? O caso dos bairros cooperativos de Azeitão em risco de despejo como exemplo


Em dois bairros de habitação social situados em Azeitão, construídos por uma cooperativa de habitação na segunda metade dos anos 80, há 41 famílias em risco de ficar desalojadas, apesar de terem pago integralmente as suas casas. Perante um país que se desmorona a ritmo acelerado, o problema de 41 famílias poderá parecer relativamente secundário para muita gente. Mas, como acontece em quase todas as lutas, o que os moradores de Azeitão enfrentam é parte de um problema maior e permite-nos olhar muito para lá do contexto local. Nesta situação particular vemos tanto os reflexos presentes de um país dominado pela austeridade e pela crise, como as consequências do processo de hegemonização do neoliberalismo, verificado nos últimos anos, que subordinou quase todas as dimensões das nossas vidas (entre elas a habitação) à finança e ao mercado. É por aqui que o que acontece em Azeitão, apesar de todas as suas especificidades jurídicas, sociais e políticas, se confunde com o brutal despejo de uma mãe e duas filhas da sua casa, em Silvalde, ou o despejo de qualquer outra família por uma dívida ao fisco, ou se confunde com as populações dos bairros de Santa Filomena, Estrela de África ou 6 de Maio, na Amadora.


Que o jogo está viciado pelas regras do mercado e da finança torna-se logo evidente pela necessidade que eu próprio tive de referir – para frisar o usufruto do direito a ter uma casa – que as pessoas pagaram integralmente as casas que habitam há quase 30 anos, como se o facto de as terem pago total ou parcialmente tornasse mais ou menos legítima a expulsão de uma família da única casa que tem. Nessa armadilha começa a confusão entre direito e privilégio. No quadro actual, a habitação é uma mercadoria equiparável a tantas outras mercadorias que têm lugar nas nossas vidas como fruto de uma simples escolha, algo que podemos escolher entre ter e não ter: uma espécie de luxo ou de produto secundário face a coisas básicas como a alimentação.

São muitos os mecanismos e os conceitos através das quais esta realidade se materializa e legitima. Apesar do reconhecimento do direito à habitação pela constituição portuguesa – e não apenas do direito a uma habitação, mas sim “a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” (artigo 65.º) –, é muitas vezes através dos tribunais e do aparato jurídico que acontece a negação desse mesmo direito. As leis parecem transformar-se em leis da física, aparentemente imutáveis e incontornáveis, e a justiça, mais do que um fim, revela-se refém dos interesses financeiros. Em Azeitão, pela peculiaridade da situação, toda a gente assume estar em causa uma grande injustiça. No entanto, são muitos os que não deixam de afirmar, imediatamente a seguir, a inevitabilidade do que está a acontecer. A lei é usada, por um lado, como um campo neutro para desresponsabilizar aqueles que insistem que despejar alguém da sua única habitação é uma fatalidade contra a qual nada se pode fazer, e, por outro lado, é usada para responsabilizar os moradores, neste caso, por um problema com o qual nada têm que ver. Só assim se explica que estas famílias tenham acordado uma manhã com um anúncio no jornal a leiloar as suas próprias casas, como se estivessem vazias. A lei permite transformar aquilo que é uma questão política num problema meramente técnico, na tirania da simples gestão do presente, como se assim se pudesse legitimar qualquer barbaridade.

A dívida é outra palavra-chave do nosso tempo. Paira sobre nós, no dia-a-dia, e manda tanto nos orçamentos de Estado como nos orçamentos familiares. Foi em grande medida através da habitação que ela se instalou nas vidas de quase toda a gente. Mas a dívida funciona como um imperativo moral: “as dívidas têm de ser pagas” é um mandamento inquestionável que pouco ou nada deve à economia. E é por isso que conhecemos a dívida mais como forma de punição do que outra coisa: sabemos o que é ser-nos cobrada uma dívida que nunca contraímos e que toda a gente sabe que nunca contraímos. Mesmo que nunca tenhamos estado em dívida para com ninguém, conhecemos e sentimos a culpa de dever alguma coisa, seja um país ou um simples tecto. Tal como as 41 famílias de Azeitão. A dívida serve para nos convencer de que “vivemos acima das nossas possibilidades” quando apenas usufruímos de um direito fundamental. E, no caso de Azeitão, com a cruel contradição de os moradores terem pago as casas.

O “vivemos acima das nossas possibilidades” é, também, a forma de nos chamar à “realidade” – a nós, que estamos na base da pirâmide social – recordando-nos qual o lugar a que pertencemos. É uma forma de nos dizer: “ter casa própria foi uma ilusão e há que voltar ao vosso lugar, desta vez sem ilusões”. Como se ter casa (ou lavar os dentes com a torneira aberta ou comer bifes todos os dias) nos tivesse elevado a uma condição que não é a nossa ou nos tivesse colocado fora da “ordem natural das coisas”. Como se ter casa não fosse para qualquer um. Atirar sistematicamente o fardo da “vida acima das possibilidades” para aqueles que menos têm é uma das mais claras expressões de que o que está em curso é um programa de luta de classes.

Finalmente, Azeitão recorda-nos outra coisa, esta talvez menos presente noutras situações em que o direito à habitação está em causa. As casas destes dois bairros de Azeitão foram construídas por uma cooperativa de habitação, um modelo económico reconhecido pela constituição portuguesa com o propósito de servir de alternativa ao mercado e à forma de organização económica capitalista. Sucessivas leis, promulgadas desde o final dos anos 80, empurraram as cooperativas para uma lógica que lhe era antagónica e levaram-na a jogar o jogo com regras que não eram as suas. O regime de propriedade cooperativo foi alterado e fortemente desvirtuado (no cooperativismo habitacional, a propriedade não é nem privada nem pública, é colectiva, em parte para que as situações de incumprimento individual, no decorrer do pagamento da casa, não impliquem um despejo ou neguem o direito a ter habitação) e as cooperativas, desprovidas de financiamento em condições favoráveis, quando elas próprias substituiam ou complementavam um Estado ineficaz no seu dever de providenciar habitação digna e acessível, viram-se obrigadas a contrair empréstimos bancários, com juros elevados, para cumprir as obrigações que tinham assumido. É, em suma, a história da demissão do Estado em assegurar o direito à habitação e a entrega quase exclusiva da provisão de oferta habitacional ao crédito bancário e aos especuladores. A maior parte das cooperativas não é isenta de culpas, pois aceitou essas condições com agrado, vendo aí uma janela para enriquecer. Mas aquilo de que os moradores de Azeitão são lembrados frequentemente, em particular nos seus contactos institucionais, é de que em causa está, também, um ataque a todos os projectos colectivos e a tentativa de destruição de todas as experiências e de todas as ideias que tentam ir para lá da lógica do mercado (e, em certa medida, também procuraram autonomizar-se do Estado). Os moradores de Azeitão são punidos porque procuraram ver assegurado o direito fundamental a ter uma habitação através de uma cooperativa e não através de um empréstimo ao banco. É-lhes dito frequentemente: “aqui está a prova de que os projectos colectivos não resultam”. O que encontramos em Azeitão é, portanto, mais um passo na construção desta enorme máquina de desesperança, que nos diz que não há alternativa, que nos pede para render, que nos pede para desistir e entregar as nossas vidas.

Há que ter todas estas coisas presentes quando lutamos por construir uma nova narrativa, em que a habitação seja um direito e não um privilégio e em que ser despejado não seja uma inevitabilidade. Há que responder que, mesmo que alguma vez tivéssemos vivido acima das nossas possibilidades, sempre vivemos abaixo da nossa dignidade e que, por isso, queremos mais.

Diogo Duarte

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Manifesto pelo Direito à Habitação - Lisboa


A habitação não é uma mercadoria. É um direito fundamental à vida e à vivência de todos os direitos económicos, sociais, culturais, políticos e cívicos. Por isso o Direito à Habitação tem de ser respeitado e defendido!

A habitação não pode ser um privilégio só para algumas pessoas, do qual outras são excluídas, nem um bem a que muitos não têm acesso em condições adequadas.

Apesar do Direito à Habitação constar na Constituição da República Portuguesa e em tratados internacionais ratificados pelo nosso país, a política que tem sido desenvolvida é contrária à sua proteção. 

A habitação tornou-se uma mercadoria nas mãos de um mercado desregulado, sujeita a processos de especulação sem freio. 

Cada vez mais pessoas são excluídas deste Direito fundamental que é tratado como privilégio por não terem conseguido assegurar o pagamento da renda ou da prestação ao banco. 

A ameaça, o medo e a experiência de viver na rua são insuportáveis!

É inaceitável ter de escolher entre pagar a renda, a prestação ao banco ou o prato que é preciso colocar na mesa todos os dias!

A oferta pública de Habitação é diminuta para o cada vez maior número de famílias que dela necessita. A grande maioria não vai ter direito a habitação social.

Ao mesmo tempo, o estigma associado à habitação social condiciona a vida de quem lá vive.

A sobrelotação e as más condições de habitabilidade são realidades duras para demasiadas famílias.

Os despejos aumentam em todos os sectores da Habitação, sem que se conheçam os verdadeiros números. 

A garantia da acessibilidade continua a ser a excepção, e não tanto a regra, em particular na habitação social e na reabilitação urbana. 

Rejeitamos os discursos que procuram bodes expiatórios para os problemas que decorrem das políticas de Habitação que têm sido seguidas. 

Não aceitamos posições racistas nem discursos que colocam moradores/as contra moradores/as, , promovendo fragmentação e conflito social. Sabemos que essa é uma estratégia traiçoeira para desviarmos a atenção do que verdadeiramente importa.

Entendemos as Políticas de Habitação digna (que incluem condições de habitabilidade e acessibilidade adequadas, proximidade de serviços, promoção de diversidade cultural, etc.), necessariamente interligadas entre si. 

É que aumentar a oferta pública de habitação social tem impacto nos sectores privados de arrendamento e compra. Assim como regular o arrendamento privado e combater a especulação imobiliária possibilita que mais pessoas tenham acesso a Habitação digna.

Por isso agimos em conjunto de forma solidária!

Consideramos que as cidades não são mercadorias. O Estado e os órgãos de poder local têm de assumir as suas responsabilidades de regulação e limitar a especulação imobiliária face às crescentes "turistificação" e "gentrificação" dos centros urbanos e áreas já não tão centrais, garantindo o Direito à Habitação e à Cidade!

Perante a catástrofe na habitação em Portugal, defendemos as seguintes propostas que consideramos fundamentais na protecção deste direito:

1 – Não pode haver despejos sem que se assegurem alternativas adequadas;

2 - A primeira casa de habitação própria e permanente não pode ser penhorada; não podendo as pessoas sobre endividadas ou em situação de insolvência perder o seu Direito à Habitação;

3 – Aumentar urgentemente e em número suficiente a oferta pública de habitação com rendas adequadas ao rendimento das pessoas;

4 – Implementar uma efectiva política de habitação definida em função das necessidades sociais que impeça a especulação imobiliária, penalizando definitivamente os proprietários que mantêm casas vazias numa lógica de especulação.

5 – Revogar as leis que incidem sobre o sector do arrendamento―nova lei das rendas e rendas sociais―que têm contribuído para aumentar a precariedade da vida de muitas pessoas;

6 – Democratizar verdadeiramente a vida nas cidades para que todos os seus habitantes tenham direito ao usufruto destas, acesso transparente à informação e direito à participação efectiva na regulação e tomadas de decisão sobre todas as dimensões urbanas fundamentais para a sua vida, entre estas a habitação, o espaço público, os equipamento e os transportes.

7 - Apelamos à auto-organização e à elaboração de cartas reivindicativas por bairro ou cidade e comprometemo-nos em alimentar redes e solidariedades, reforçando desta forma a luta pela defesa do direito à habitação e à cidade.

Lisboa, 19 de Setembro de 2015

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Manifesto Pelo Direito à Habitação - Assembleia do Porto

UMA HABITAÇÃO DIGNA PARA TODOS

A HABITAÇÃO É UM DIREITO, NÃO É UM PRIVILÉGIO!

Porto, 20 de Setembro de 2015


Numa Plataforma Nacional promovida por várias organizações cívicas, reúnem-se na Cidade do Porto no dia 20 de Setembro, inquilinos, comissões e associações de moradores, movimentos cívicos, individualidades, organizações pelo direito à habitação em prol de UMA HABITAÇÃO DIGNA PARA TODOS.

Nesta assembleia pelo Direito à Habitação o objectivo central é discutir de forma aberta, participativa e transversal o acesso a uma habitação digna, num contexto em que, temos cada vez mais gente sem casa, e cada vez mais casas sem gente nas nossas cidades.

Perante este grave problema nacional de habitação, faz todo o sentido promover uma discussão pública em torno do direito à habitação a partir do Capitulo III – Direitos e deveres sociais consagrados na Constituição da Republica Portuguesa.

Especificamente o artigo 65, ponto um: «Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».

O Manifesto lança estes oito pontos, de forma a contribuir para a criação de uma Agenda Nacional Pelo Direito a uma habitação digna para todos e todas, sem excepção:
  1. Revogação do Regime de Arrendamento Urbano (Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, retificada pela Declaração de Retificação n.º 59-A/2012, de 12 de outubro); e da Lei n.º81/2014 – que estabelece o novo regime do arrendamento apoiado para a habitação.
  2. Promover a reabilitação da habitação pública dos centros urbanos em detrimento das actuais políticas de “fachadismo” nos blocos de habitação social promotoras da exclusão social;
  3. Criação de instrumentos legais para agilizar a libertação das pessoas perante as hipotecas das casas e penhoras, quando único bem da pessoa;
  4. Garantir uma política de socialização dos solos em articulação com as taxas sobre imóveis devolutos, em ruína ou em abandono nos centros das cidades de forma a evitar a especulação e a gula imobiliária;
  5. Combater os fenómenos de expulsão da população dos centros urbanos através do controlo dos arrendamentos turísticos. Temos assistido a uma rápida substituição dos arrendamentos residenciais para arrendamentos turísticos, conduzindo à forte discrepância entre valores praticáveis para arrendamento turístico e arrendamento corrente. Perante a substituição do arrendamento para habitação pelo destinado a turismo, propõe-se o estabelecimento de cotas de arrendamento para habitação permanente, controlando desta forma, os fenómenos de turistificação e inflação do mercado de arrendamento;
  6. Promover o arrendamento público, não só garantindo menor especulação do mercado do arrendamento e, consequentemente, maior acesso a rendas controladas, como também a abolição do estigma associado à habitação dita social;
  7. Garantir uma taxa de esforço na habitação equitativa e adequada às condições socioeconómicas hoje verificadas.
  8. Promover o direito à habitação com a implementação de políticas de trabalho socialmente digno e estável. Com uma especial atenção para os problemas dos idosos e dos jovens no direito à habitação.

domingo, 13 de setembro de 2015

19 e 20 Set | Ações Lx e Porto | Habitação – Privilégio ou Direito?

Se não lutarmos, o direito à habitação continuará a ser letra morta!, foi o mote que juntou um conjunto de activistas, associações, moradores, decidindo agendar um ato público pelo direito à habitação a realizar-se nos próximos dias 19 e 20 de Setembro, em Lisboa e no Porto.

A iniciativa visa colocar na discussão pública situação de emergência vivida no país, ao nível da habitação e dar visibilidade às lutas dos diversos grupos, bairros, associações, famílias, promovendo o debate, assim como reivindicando medidas imediatas que respondam a esta situação. Será também uma oportunidade para interpelar os partidos políticos e candidaturas para esclarecimento de quais são suas propostas e os seus compromissos em relação ao direito à habitação. Em Lisboa, a ação será no dia 19, a partir das 15h, no Largo de São Domingos. Nesse mesmo dia terá lugar no Porto um acção de visibilização da situação das pessoas sem abrigo, promovida pelo Movimento Uma Vida como a Arte, a partir das 17h, no Coreto da Cordoaria. No dia 20, realizar-se-á uma ação pelo direito à habitação, a partir das 15h no Campo Mártires da Pátria.

Apesar de constituir um direito fundamental, inscrito da Constituição da República Portuguesa (CRP) e em legislação internacional, a habitação não tem sido um direito garantido às pessoas, situação que se agravou drasticamente com a crise e a austeridade. Muitas pessoas têm de escolher entre ter comida no prato e pagar a renda da casa, o que é inaceitável! A situação relativa à habitação é cada vez mais insegura e precária. Muitas são as famílias que, com rendimentos cada vez mais reduzidos, despendem mais de 40% do seu salário com a despesa de habitação. Não é por isso surpreendente que as pessoas deixem de ter capacidade de pagar a casa, não existindo respostas nem alternativas dignas. Um dos efeitos da inércia face a esta situação de autêntica emergência social é o aumento da sobrelotação: em 2010 haviam 1 500 000 pessoas em situação de sobrelotação. Um outro efeito, ainda mais dramático, é o crescimento do número de pessoas a ficar sem teto. O manifesto de partida está disponível aqui.

Sabia que...


Alguns dados sobre o desastre da política de habitação em Portugal.
Se não nos juntarmos, se não nos mobilizarmos, o Direito à Habitação continuará a ser letra morta!

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Convocatória : 4 boas razões para lutar pelo direito à habitação




|||    Porque a habitação é um elemento fundamental da vida humana

A habitação é um elemento fundamental à vida humana. Sem esta não há segurança, saúde, dignidade, nem a vivência plena de todos os direitos fundamentais. O direito à habitação está consagrado na Constituição da República Portuguesa, assim como no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ambos em vigor na ordem jurídica portuguesa há cerca de quatro décadas.

|||  Porque ter que escolher entre ter comida no prato e pagar a renda da casa é inaceitável

No entanto, a habitação não é um direito garantido às famílias e são cada vez mais as pessoas que enfrentam problemas relacionados com o acesso ou com a manutenção da habitação. Os problemas são múltiplos e verificam-se em todas as modalidades de acesso à habitação - arrendamento privado, arrendamento público/social ou crédito à habitação. Afectam ainda, e de forma particularmente gravosa, quem não consegue aceder a nenhuma dessas modalidades de acesso à habitação.

O Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e os municípios, em particular os das áreas metropolitanas do país – Lisboa e Porto -, têm enormes listas de espera de habitação municipal, sem que haja resposta à maioria dos casos. Enquanto isso, multiplicam-se as situações de despejo em especial no arrendamento privado, na habitação social e no bairros auto-construídos. No crédito à habitação, os bancos recebem casas de famílias que já não conseguem pagar as prestações, muitas vezes mantendo parte considerável da dívidas. São crescentes os casos as famílias entram num ciclo sobre-endividamento, para evitar perder a casa. Muitas pessoas afectadas pela falência vêem a sua casa penhorada.

|||  Porque há cada vez mais pessoas sem casa

As políticas de austeridade vieram piorar a situação. Por um lado, o agravamento da situação económica, nomeadamente o aumento do desemprego e a redução dos rendimentos, contribuiu para enfraquecer a capacidade das famílias em fazer face às despesas com habitação. Por outro, as novas leis aprovadas após o início da crise em vez de responderem às dificuldades, protegendo as famílias em situação de vulnerabilidade financeira, vieram antes piorar o cenário. As leis de protecção de famílias sobre-endividadas definiu critérios nos quais não cabe ninguém. A nova lei das rendas aumentou as rendas antigas e facilitou os despejos. Aumentaram os casos de demolições massivas, violentas e racistas em bairros auto-construídos. A lei das rendas sociais manteve os valores de renda muito elevados e tornou mais insegura e precária a permanência continuada na habitação.

A situação relativa à habitação é cada vez mais insegura e precária. Muitas são as famílias que, com rendimentos baixos e cada vez mais reduzidos, despendem mais de 40% do seu salário com despesas de habitação. Não é por isso surpreendente que as pessoas deixem de ter capacidade de pagar a casa, não existindo respostas nem alternativas dignas. Um dos efeitos da inércia face a esta situação de autêntica emergência social é o aumento da sobrelotação: em 2011 haviam mais de 500 mil casas sobrelotadas; hoje, estima-se que esse valor estará perto dos 700 mil. Um outro efeito, ainda mais dramático, é o crescimento do número de pessoas a ficar sem tecto e a dormir na rua.

|||  Porque se não lutarmos o direito à habitação continuará a ser letra morta

Se não dermos visibilidade ao problema, se não o colocarmos na discussão pública, se não chamarmos todos/as a pronunciarem-se, se não nos organizarmos e reforçarmos mobilização, o direito à habitação continuará ser letra morta.

Acreditamos que nós, quem luta pelo direito à habitação, nas suas diferentes dimensões - grupos, associações diversas, comissões de moradores/as, bairros, famílias -, temos de nos juntar, na nossa riqueza e diversidade, e potenciar uma luta conjunta pelo direito à habitação, em articulação com as lutas específicas de cada um e cada uma. Precisamos de trilhar um caminho assente no conhecimento e respeito mútuo; a partilha de análise, de recursos, de estratégias; o exercício da solidariedade nas diversas lutas; a articulação, a acção coletiva e a construção de um movimento social com muitos e muitas protagonistas e lideranças, com diversidade e autonomia.

Apelamos a todas as pessoas e organizações que se identificam com esta causa, que acreditam que a habitação é um direito, para iniciar um processo de luta conjunta.

Propomos a organização conjunta de um ato público pelo direito à habitação, no centro da Cidade (quiçá pelo menos em Lisboa e no Porto), que dê visibilidade às nossas lutas, aos diversos grupos, bairros, associações; que discuta a necessidade de uma nova política de habitação, assim como reivindicações imediatas que respondam à situação de emergência vivida no país, ao nível da habitação.

Essa será também uma oportunidade de interpelar os partidos políticos e candidaturas para esclarecimento de quais as são suas propostas e os seus compromissos em relação ao direito à habitação.

O encontro de preparação da luta pelo direito à habitação realizar-se-á no dia 31 de Agosto, segunda-feira, pelas 18h, na Rua dos Anjos, nº 12 F, Lisboa (Junto ao Largo do Intendente) e no Porto , no espaço Contrabando , Rua Mártires da Liberdade, 83 .

Primeiros subscritores da convocatória:

___COLECTIVOS___

Associação de Moradores da Cruz Vermelha
Comissão de Justiça, Paz e Ecologia dos Religiosos/as
Comissão de Moradores do Bairro da Boavista
Habita – Associação pelo direito à habitação e à cidade
Left Hand Rotation
Marcha Mundial das Mulheres - PT
Movimento Uma Vida como a Arte
Precários Inflexíveis
Solid-Associação promotora dos direitos sociais, culturais e laborais
SOS Racismo
União dos Sindicatos de Lisboa




___INDIVIDUAL___

Carlos Ferreira Cruz
Catarina Moreira
Cláudia Múrias
Cristina Pires
Fernando Baião
Fernando Matos Rodrigues
Frei Rui Manuel
João Baía
João Edral
Jonas Vosssole
Jorge Falcato
Judite Fernandes
Luísa Rego
Magdala Gusmão
Mamadou Ba
Margarida Garrido
Maria Emília Guedes
Nuno Franco
Paulo Moreira
Ricardo Loureiro
Rui Manuel Rodrigues
Rui Viana Pereira
Sandra Carvalho
Sandra Cunha
Simone Tulumello
Susana Mourão
Vítor Lima
Yves Cabannes



quinta-feira, 25 de junho de 2015

Mudar a Europa, Solidariedade com a Grécia!

Delegação da Habita participa

em semana de acção na Grécia

25 de Junho de 2015

No âmbito da semana de acção de solidariedade com a Grécia com o lema Mudar a Europa - Solidariedade com a Grécia! encontra-se em Atenas, a participar em vários encontros de movimentos sociais, uma delegação da HABITA – Associação para a defesa do direito à habitação e à cidade.

Entre 20 e 23 de Junho, Rita Silva e Sérgio Pedro participaram no Encontro Internacional pelo direito à habitação e no próximo dia 27, sábado, participarão num encontro de movimentos visando discutir estratégia de acção e luta face a situação vivida hoje na Grécia e na Europa.  

O encontro de 20 a 23 foi uma iniciativa conjunta das redes locais Solidarity for All e Encounter Athens, da Fundação Rosa Luxemburgo e a Aliança Europeia pelo Direito à Habitação e à Cidade. Esta iniciativa ocorreu num momento crucial que os efeitos das políticas devastadoras da austeridade se fazem sentir de forma forte no domínio da habitação, atingindo particularmente as pessoas mais fracas e desprotegidas e também outras camadas da população - na Grécia, em Portugal, em Espanha e por toda a Europa. Em discussão estiveram temas como: as políticas neoliberais nos espaços urbanos, a dívida como instrumento de controlo social, as necessidades habitacionais dos/as imigrantes e refugiados/as na Europa do Sul. Foram também debatidas políticas alternativas no sector da habitação, a necessidade de reconhecimento dos espaços urbanos como bens comuns e estratégia de acção para o futuro.

No próximo sábado, dia 27, além do encontro de movimentos sociais, terá lugar a iniciativa pública internacional Our struggle will go on! | A nossa luta continuará!

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Estratégia nacional para a habitação: a gentrificação subsidiada

Em fim de mandato e depois de uma panóplia de decisões legislativas e regulamentares já tomadas sobre várias matérias da habitação[1], o governo coloca em discussão pública (muito pouco divulgada) a sua Estratégia Nacional para esta[2], cuja participação está prevista até hoje, 29 de Maio. Pensamos que este é um assunto deveras importante para as nossas vidas, as nossas cidades, para o país e exigia, desde logo, um amplo debate na sociedade. O IHRU deveria ter assumido esse papel de impulsionador e mediador de tal processo. Aqui está uma análise do que nos parece que é a orientação geral do texto.

O texto divulgado[3] tem um diagnóstico interessantíssimo, dando-nos conta dos números produzidos pelo INE, para constatar que:

(esses) “indicadores atrás apresentados mostram-nos que à medida que aumentou a produção e oferta de habitações, estas foram ficando cada vez mais caras, ao contrário do que seria expectável. E este aumento verificou-se de uma forma que divergiu acentuadamente da evolução do rendimento disponível das famílias portuguesas.

As políticas de promoção e financiamento à aquisição de habitação própria, que poderiam ter compensado a retração do mercado de arrendamento, acabaram por ter um efeito perverso no aumento dos preços e contribuíram para que o Estado, a banca[4], as empresas e as famílias acumulassem uma dívida muito elevada, agravada pelo facto de estar associada a um elevado número de fogos devolutos. O investimento público e privado que lhe esteve associado não serviu nem contribuiu para facilitar o acesso das famílias à habitação.”

Ou seja, o que este trecho nos diz exatamente é que, se nos últimos trinta anos a oferta aumentou exponencialmente, o número de devolutos quadriplicou, mas os preços aumentaram na mesma medida, num processo especulativo sem precedentes, então, o mercado – do equilíbrio da oferta e procura - não funciona. Só pode ser essa a conclusão. No entanto, não consta no relatório, assim como o problema da especulação. A omissão destes factos é digna de nota. Não se compreende mesmo como é que, “não havendo atualmente um deficit habitacional, existe um problema de acesso à habitação”

Infelizmente o relatório não nos dá dados precisos sobre algumas questões como o sobreenvidamento relacionado com o crédito à habitação, o número de despejos dos últimos anos, o número de famílias em lista de espera nos diversos municípios e no próprio IHRU, ou qual a atual taxa de esforço com encargos na habitação dos diferentes escalões e qual seria a mais indicada. Mas diz-nos que:

A política desenvolvida, com todo o apoio do principal partido do governo, “gerou um elevado número de famílias na condição de proprietários de habitações, que não dispõe de meios para suportar os respetivos custos com impostos, condomínios, seguros e obras de conservação. Trata-se de uma realidade cuja dimensão tem vindo a aumentar….”

Na verdade a assunção de tais erros de governação, fáceis de assumir porque não têm quaisquer consequências e, sobretudo não indo ao fundo da questão, serve apenas de pretexto para a mudança de estratégia, na verdade perfeitamente alinhada com os interesses do capital, a banca, os fundos de investimento imobiliário, os promotores imobiliários, e que é a reabilitação urbana e o arrendamento caro, através do impulso do mercado. Corrige-se então o problema com o mesmo problema.

Ou seja, o governo, com os donos do mercado, pretendem “dar confiança aos investidores”, leia-se, liberalizar as leis do arrendamento para desproteger os inquilinos (já está), liberalizar as leis da reabilitação urbana (já está) para esventrar edifícios antigos à vontade, ou não passar pelas maçadas do licenciamento municipal, e “atrair investimento privado” dando isenções fiscais várias (que são subsídios indiretos) e subsídios diretos que vêm agora no novo quadro comunitário de financiamento e na forma de reabilitação do espaço público (que deverá seguir as regras de prevenção do crime, atenção, seja lá o que isso for), para, segundo eles, promoverem o arrendamento que, de acordo com as regras do mercado, se vai tornar mais acessível: “dinamizem o mercado de arrendamento, de forma a criar um segmento de oferta de rendas a preços acessíveis”. Novamente o mercado, a grande solução dos problemas da habitação que, na verdade, vai sobretudo acelerar os processos de gentrificação em curso, de expulsão da classe trabalhadora, precária e empobrecida, dos locais apetecíveis das nossas cidades. É que os subsídios previstos no novo quadro comunitário, e para os quais é produzida esta estratégia, vão financiar a reabilitação urbana e o arrendamento, mas sem quaisquer contrapartidas de controlo de preços, e por isso vai ser o arrendamento caro, subsidiado por nós, virado para as classes altas, porque é assim que se ganha dinheiro, agora nos centros das nossas cidades (as periferias interessam pouco e já cresceram o que tinham de crescer, pelo menos por agora).

Tanto o governo como o capital sabem que o modelo anterior estoirou, nunca mais será como antes, a construção desenfreada, o endividamento das famílias e a especulação não vai continuar da mesma forma, e assim o que interessa é a mudança apoiada da estratégia, leia-se subsídios públicos e liberalização, sem quaisquer contrapartidas, que na verdade não vão melhorar a situação de quem não consegue ter acesso ao mercado. A mesma receita para a especulação, claro que em nome do acesso à habitação, em nome da sustentabilidade, da reabilitação, da eficiência energética, mas nenhuma medida clara sobre o controlo do preço do arrendamento, nenhuma contrapartida clara aos subsídios aos privados.

Sobre habitação social, da qual apenas se diz que é insuficiente (120 000 fogos, uma percentagem mínima que não chega a 4%) e que a solução é promover a mobilidade social, a entrada e saída de pessoas desses bairros através de uma porta giratória, que promove sobretudo a precariedade e instabilidade nos bairros, sem nenhuma referência a aumentar este parque habitacional e que é necessário incentivar o mercado social de arrendamento onde um T1 em Lisboa não custa menos de 450 euros. Sobre os devolutos apenas a “agilização” do IMI….


Por fim, e muito importante, nunca se fala na habitação como um direito, um direito constitucional, humano, social, fundamental à vida.

Rita Silva




[1] Nova lei do arrendamento urbano, nova lei das rendas sociais, regimes para famílias com problemas no crédito à habitação, reabilitação urbana (?) e IMI (?).
[2]https://www.portaldahabitacao.pt/opencms/export/sites/portal/pt/portal/habitacao/EstNacHabitacao/Estrategia-para-a-habitacao.pdf
[3] Que pode ser consultado aqui XXXXX
[4] É interessante que diz que a banca acumulou uma dívida considerável, mas não fala nos lucros astronómicos durante décadas.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

TTIP: uma ameaça à habitação, ao direito à terra e a cidades democráticas


Pelos Grupos pelo Direito à Habitação Europeus, 17 de Abril de 2015

As organizações abaixo assinadas, unidas na luta pelo direito à habitação e pelo direito à cidade, apoiam de modo inequívoco as manifestações contra o futuro acordo de comércio livre entre a União Europeia e os Estados Unidos (“Transatlantic Trade and Investment Partnership”) e o já acordado CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement). Por toda a Europa, manifestações contra estes acordos tiveram lugar no dia 18 de Abril de 2015.

Diferentes grupos ambientais, associações de consumidores, sindicatos e outras organizações da sociedade civil vêm alertando que as regras de comércio livre discutidas no âmbito do TTIP irão diminuir os padrões ambientais de produção agrícola, os padrões de saúde e alimentação e os padrões laborais nos serviços. Porque o TTIP está a ser negociado sob secretismo e porque prevê a criação de tribunais extra-estados para protecção de investidores (“investor-state dispute settlement”), muitos críticos temem que o acordo faça diminuir os mecanismos de soberania nacional e de democracia. Os apoiantes anti-TTIP antecipam igualmente consequências negativas quanto ao levantamento da proibição de fracking, ao desinvestimento nos sistemas de educação pública, à privatização de serviços municipais e à menor regulação de produtos financeiros. Tememos igualmente que o TTIP tenha consequências desastrosas no desenvolvimento urbano e nos mercados de habitação e de terra.

Como o TTIP tem sido discutido à porta fechada, não conseguimos saber os detalhes e consequências directas que o TTIP terá na habitação e nas cidades. Não sabemos se estes assuntos são sequer objecto das negociações. Mas não tivemos nenhum sinal de exclusão dos sectores imobiliário, da habitação pública ou social ou da regulação de investimentos financeiros. Tememos pois o pior. O TTIP e o CETA podem vir a ter um enorme impacto na habitação e nas nossas cidades.

Tanto quanto podemos vislumbrar a partir de informação reduzida e confusa, o TTIP tem quatro objectivos: (1) redução de barreiras não-tarifárias ao comércio, (2) protecção de investidores transnacionais, (3) harmonização de padrões industriais, (4) introdução de tribunais arbitrais comerciais. Cada um destes objectivos pode afectar a habitação, o território e as cidades de muitas maneiras.


1) A planeada redução de barreiras não-tarifárias ao comércio pode proibir as restrições à mobilidade do capital transnacional, as já existentes ou aquelas exigidas pelas populações para o futuro próximo, incluindo as regulações do comércio de habitações e de terra. Até agora, alguns países na Europa ainda limitam os direitos de estrangeiros em possuírem terra agrícola e casas. Outros excluem partes da terra e da habitação do mercado, através dos sistemas de habitação pública ou social. Em todos eles, a regulação da propriedade pode ser interpretada como uma barreira ao comércio. Nas negociações com vista ao TTIP, tais restrições ao mercado podem ser postas em causa, e como consequência cada vez mais propriedade se tornará alvo de investidores financeiros transnacionais. Por outro lado, a regulação dos sistemas de crédito, tanto europeia como nacional, pode igualmente ser vista pelos mercados financeiros como uma barreira ao comércio. Tudo isto pode levar a uma globalização cada vez mais rápida da financeirização da habitação. A consequência será um cada vez maior risco de bolhas imobiliárias e financeiras. 

2) A protecção dos direitos de investidores transnacionais pode afectar directamente as políticas locais e nacionais de stocks habitacionais, que são propriedade de fundos financeiros ou de empresas cotadas com accionistas e subsidiárias internacionais. Este sector inclui o alargado espectro de iniciativas público-privadas de habitação social e de infraestruturas públicas, e até joint ventures que têm sido fomentadas pela Comissão Europeia, por exemplo, em Itália. Qualquer limitação à exploração commercial da propriedade – através de direitos especiais dos inquilinos, de novas obrigações no planeamento urbano ou da taxação de transacções – podem vir a ser interpretadas como uma violação dos direitos de propriedade e da segurança do investidor. Isto é especialmente verdade se os governos nacionais quiserem introduzir nova regulação. A introdução de regulação quanto à insolvência privada ou a requisição pública de apartamentos vazios para habitação social, que são expectativas realistas em caso de eleição de um governo progressivo em Espanha, poderiam ser atacadas por fundos detidos por companhias como a Blackstone ou a Goldman Sachs, que já entraram no mercado de hipotecas de habitação pessoal. Em consequência, até os países que já têm regulação de insolvências privadas (muitos) ou que permitem requisição pública (Itália e França) seriam postos sob pressão. A segurança habitacional poderia igualmente ser atacada por accionistas norte-americanos. A introdução de controlos de renda um pouco mais apertados, tal como aconteceu recentemente na Alemanha, poderia ser entendida como uma ameaça à segurança do investidor, por exemplo no caso de accionistas americanos ou canadianos, como a Blackrock ou a Sun Life, de companhias de habitação alemãs, julgassem que o valor justo das suas companhias fosse afectado.

(3) A harmonização dos padrões industriais tem o potencial de afectar toda a gama de direitos de consumo e poderá levar ao enfraquecimento dos padrões de construção e de materiais de construção, dos serviços de manutenção e arquitectura ou dos produtos financeiros e contratos de crédito. Quanto aos materiais de construção, a harmonização pode consubstanciar-se num enfraquecimento dos padrões ambientais (por exemplo nas limitações às madeiras tropicais), de saúde (p ex. na utilização de substâncias nocivas) e das condições de trabalho. Como as autoridades públicas se verão forçadas a aceitar as propostas mais baixas, a competição global intensificará a já existente corrida para baixo. 

(4) Os tribunais arbitrais planeados (“investor-state dispute settlement”) julgarão as violações dos acordos de comércio livre sem terem de obedecer às leis ou constituições nacionais, nem às leis internacionais de direitos humanos. Em muitos países, estes tribunais serão simplesmente para-constitucionais. De acordo com a constituição de muitos países europeus, a propriedade acarreta obrigações sociais. Não é esse o caso nos acordos de comércio livre. Neste contexto, o risco das grandes companhias solicitarem avultadas indemnizações terá uma influência grande no processo legislativo (efeito dissuasor), com os governos a não arriscarem introduzir controlos de renda ou limites À construção por medo de pedidos de indemnizações de biliões de dólares devido às perdas financeiras dos investidores.

Não sabemos se a exclusão dos sectores da habitação e do imobiliário será objecto de discussão nas negociações secretas. De todo o modo, dados os seus objectivos é pouco provável que sectores nucleares como o imobiliário e a finança associada sejam de facto excluídos. (…) E tudo isto terá profundos efeitos no desenvolvimento urbano local e no planeamento urbano. Uma companhia transatlântica que comprou um terreno numa área em desenvolvimento poderá solicitar indemnizações por violação de segurança de investimento caso uma câmara municipal decida, por exemplo, reduzir a densidade de construção para comércio, aumentar a percentagem de habitação social num determinado empreendimento ou até parar o projecto. Isto dará imenso poder aos construtores privados no planeamento de projectos de desenvolvimento urbano nas zonas ribeirinhas, industriais e na limpeza de bairros populares.

Perderá a democracia local. Isto é ainda mais verdade para as políticas de habitação locais. Os referendos locais com vista a planos urbanos alternativos ou a melhor habitação social, como actualmente acontece em Berlim, poderiam ser parados pelos tribunais comerciais transatlânticos. As regras de construção municipais – como a obrigação de usar produtos amigos do ambiente ou de pagar o salário mínimo aos imigrantes trabalhadores da construção civil – estariam em risco igualmente.

Finalmente, o TTIP e o CETA terão uma enorme influência ao nível da União Europeia. Nas indústrias da construção, manutenção e serviços ou financeira os padrões de qualidade para o consumidor ficariam em riscos de ser harmonizados com os dos Estados Unidos, mais baixos.

Enquanto organizações de inquilinos e moradores tememos que os acordos planeados acarretem cada vez mais privatizações e controlo-pelo-investidor nas nossas cidades. O TTIP pode criar mais um tsunami de despossessão das pessoas da sua habitação, do seu território, das suas infra-estruturas sociais e da gestão democrática do território, na Europa, Estados Unidos e além. Na vez de se aprender com as lições do crash financeiro de 2007/2008, o TTIP dará continuidade ao caminho auto-destrutivo neoliberal, a construòùao de novas bolhas especulativas, que é apoiado por tantos governos e organizações, incluindo, no campo da habitação e das cidades, a preparação da conferência das Nações Unidas Habitat III.
Temos de pará-los. 


Precisamos de alianças fortes entre os movimentos sociais na Europa e na América do Norte, incluindo associações de moradores e inquilinos, para exigir aos governos que não assinem o TTIP.

Não ao TTIP! 

Primeiros signatários 
AK Kritische Geographie Frankfurt a.M. (critical geography group), Germany
Bündnis Zwangsräumung Verhindern (Alliance Stop Evictions) Berlin, Germany
Droit au Logement  (Right to Housing) and No Vox, Paris, France
Eisbrecher Wuppertal (Right to the city group), Germany
Encounter Athens, Athens, Greece
Habita – Associação pelo Direito à Habitação e À Cidade, Lisbon, Portugal
Housing Action Now, Dublin
International Alliance of Inhabitants
London Group of participants in European Housing Rights
MieterInnenverein Witten u. Umg. e.V. (Tenants Association) and Habitat Netz e.V., Witten, Germany
Mieterforum Ruhr (Ruhr Tenants Forum)
Plataforma de Afectados por la Hipoteca (PAH), Spain
Tribunal des Evictions (Genève)

www.reclaiming-spaces.org/2015/04/housing-action-groups-ttip-a-threat-to-social-housing-land-rights-and-democratic-cities

sexta-feira, 17 de abril de 2015

ONDE ESTÁ O DIREITO À HABITAÇÃO? Encontro jurídico internacional

Realiza-se amanhã, sábado, 18 de Abril, no IGOT, Campus Universitário de Lisboa, o Encontro Jurídico Internacional ONDE ESTÁ O DIREITO À HABITAÇÃO?

O encontro é uma oportunidade para suscitar e enriquecer o debate público e a formação jurídica face ao problema da habitação, abrindo a discussão para a procura de respostas alternativas e inovadoras, designadamente no domínio jurídico e da regulação, em geral.

O Direito à Habitação está consagrado na Constituição da República Portuguesa e é reconhecido pelos demais instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos, ratificados por Portugal e pela maioria dos países europeus. No entanto, a depreciação das condições de acesso à habitação e a diminuição das garantias a um alojamento digno e permanente revelam-se no número de pessoas sem casa, em perigo ou experienciando o efetivo despejo e no próprio agravamento das situações de empobrecimento motivadas pelo elevado peso dos encargos com a habitação no rendimento.

Este encontro decorre da necessidade de discutir e aprofundar as principais tipologias de casos de problemas relacionados com o direito à habitação, que ao longo do tempo, têm sido apresentados à Associação Habita e que revelam o panorama da problemática geral da Habitação no nosso país. Pretende-se, da discussão em torno dos instrumentos jurídicos existentes desenvolver e partilhar pistas de intervenção no sentido da defesa do direito à habitação. Os casos serão, sempre que possível, apresentados pelos próprios afetados/as, seguindo-se uma discussão na qual os diversos especialistas adicionam elementos relacionados com o seu trabalho.

Destacamos a presença de uma representante do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas, do Provedor-Adjunto de Justiça e da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados. Teremos ainda a apresentação de casos em Espanha (advogados da PAH, Plataforma Afectados pelas Hipotecas) e França (Doit au Logement).

Programa final disponível aqui.

PROGRAMA | Encontro Jurídico “Onde Está o Direito à Habitação?”

18 de Abril de 2015,
Auditório Orlando Ribeiro
IGOT, Cidade Universitária

9h15: Recepção e registo de participantes

9h30: Sessão de Abertura
Prof. Doutora Lucinda Fonseca, Presidente do IGOT: Abertura
Prof. Jorge Malheiros, IGOT: Onde Está o Direito à Habitação? Enquadramento e objectivos do Encontro
Juana Sotomayor, da Subdivisão de Procedimentos Especiais do Gabinete do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas e representante da Relatora para a Habitação Adequada: O direito a uma habitação adequada: as normas internacionais.
Doutor Jorge Miranda Jacob, Provedor-Adjunto de Justiça: Um novo direito, um velho problema

10h45: Coffee Break

11h00: Painel 1: Bairros autoconstruídos: terrenos ocupados, despejos e demolições
Apresentação e comentário de três casos: Bairro do Zambujal (Loures); Bairros de Sta. Filomena,  6 de Maio e Estrela d’África (Amadora); Bairro da Cova da Moura (Amadora).

12h45: Almoço

14h00: Painel 2:  Crédito à Habitação, Dívida e Arrendamento: experiências ibéricas
Apresentação e comentário e debate de 4 casos: experiência espanhola; arrendamento; Crédito à Habitação; Renda Social.

16h00:  Coffee Break

16h15: Que solução para os sem casa? Casos de França e de Portugal

Apresentação e comentário de três casos: experiência francesa; sobrelotação; sem-abrigo.

17h45: Conclusões e encerramento
Apresentação e discussão das conclusões do Encontro.
Fecho
Rita Silva, Presidente da Habita- Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade

quarta-feira, 8 de abril de 2015

O que se passa na Amadora não é digno de um Estado de direito ou de uma democracia



Ontem, dia 7 de Abril, no Bairro Estrela de África, novamente a Câmara Municipal da Amadora voltou a mostrar o completo desprezo pela vida e pelos direitos dos seus munícipes. A autarquia demonstra claramente não estar à altura das suas funções. Despejou de forma violenta 17 pessoas, incluindo 5 crianças, e destas apenas uma pessoa tinha solução adequada. Ainda assim, nem a esta senhora, de 74 anos, deram tempo para que fizesse a mudança para a casa que tinha arranjado…. Ela foi, tal como os outros, escorraçada da casa onde vivia há várias décadas. 



A Câmara disse aos jornalistas e às instituições que as casas estavam vazias. Esta é a sua nova estratégia: surpreender tudo e todos, fazer o trabalhinho sujo depressa e depois dizer que as casas estavam vazias, fingindo que desconhece que ali vive gente e há muito tempo.

Ontem, também se dirigiram à casa da Dona Adriana (vídeo em baixo) e disseram-lhe para retirar as coisas da sua casa e ir embora porque viriam hoje. O mesmo não aconteceu, porque sabiam que hoje teriam os olhos dos ativistas, das pessoas solidárias, de deputados municipais e dos jornalistas por perto. Mas é assim que, segundo a autarquia, a próxima vez que forem lá, dirão que a casa da Dona Adriana estava vazia. Mas não. A Dona Adriana não saiu com os seus dois filhos menores e com o seu marido, porque com o rendimento total de 200 euros para a família, não tem para onde ir. Teme no entanto, e muito, pelo que lhe possa acontecer e às suas coisas. Vive ali há anos, e desde há tempos que nunca consegue dormir bem. É o medo, é o clima de terror proporcionado pelas nossas instituições, pelo nosso Estado….

O resultado de mais esta operação é a demolição de casas e a retirada violenta de pessoas, subterrando os próprios pertences das famílias (que não são sequer autorizadas a retirar as coisas), para instituir esse tal clima de terror que fará com que outros abandonem as casas. São 16 pessoas, incluindo 5 crianças, em situação de completa precariedade em termos habitacionais, muito mais grave do que quando viviam naquelas casas. É a ausência completa de respostas pelo Estado social, não assumindo qualquer responsabilidade a que está obrigado. Em vez disso a punição, o ataque a quem muito trabalhou, sempre foi mal pago, e agora está desempregado e sem rendimentos. As pessoas que ontem ficaram na rua improvisam, a partir de agora, formas de se alojarem temporariamente aqui e ali…. Mas ficaram ainda três homens a dormir na rua. Para estes não resta sequer mais nenhum improviso.

O que se passa no concelho da Amadora é um processo violento e sistemático de despejo de milhares de pessoas ao longo dos anos, que ficaram fora do PER – com mais de 20 anos de atraso na sua execução – em vários bairros que outrora tiveram permissão para existir e foram até incentivados. Agora, a violência é o maior perigo para a ordem pública, perpetrada pela máquina camarária e o Estado central, através da polícia e da própria segurança social. Esta não assume que, na verdade, faz atendimentos (que dão legitimidade ao processo) para dizer a estas famílias que não tem nenhuma solução digna desse nome e que, por isso mesmo, nem coloca por escrito.
Como é possível que estejamos calados perante isto? Como é possível que a sociedade não se levante contra esta barbárie e exija a paragem deste processo, a suspensão das demolições até haver alternativas de habitação, no segundo país com mais casas vazias da Europa? Tanto o desenvolvimento de uma política de habitação para todos, como a punição dos pobres e o desrespeito pela vida humana, são escolhas políticas que demonstram o tipo de sociedade em que vivemos e a qualidade dos nossos chamados governantes. Da análise atual não poderemos chamar a isto nem uma democracia nem um Estado de direito.