segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Como os automóveis promovem a desigualdade



Artigo por Yves Engler
Um estudo recente acerca da variação da mobilidade social em cidades norte-americanas descobriu que quanto maior é a segregação geográfica dos residentes menos provável é a ascenção sócio-económica dos mais pobres. Por outras palavras, quanto mais afastadas vivem as diferentes classes sociais mais profunda se torna a desigualdade.
O estudo Equality of Opportunity Project mostra que cidades relativamente compactas tais como São Francisco, Nova Iorque e Boston apresentam maior mobilidade social que cidades de maior extensão como Memphis, Detroit e Atlanta. Em São Francisco, cidade relativamente orientada para o trânsito pedestre, por exemplo, uma pessoa nascida no quintil mais pobre da distribuição de rendimento tem 11% de probabilidade de alcançar o quintil mais afluente enquanto em Atlanta, cidade mais orientada para a circulação automóvel, este número é de cerca de 4%.
Num artigo acerca deste estudo o colunista do New York Times Paul Krugman condenou a relação inversa entre a expansão urbana e a mobilidade social dos pobres (e sem automóvel) incapazes de aceder aos empregos disponíveis. “A cidade pode ser tão extensa”, escreveu ele acerca de Detroit, “que as oportunidades de trabalho se encontram literalmente fora do alcance de pessoas encalhadas nos bairros errados”.
Isto é sem dúvida parte da explicação, mas ignora o impacto político mais amplo da expansão urbana gerada pelo automóvel. Em Stop Signs: Cars and Capitalism on the Road to Economic, Social and Ecological Decay, Bianca Mugyenyi e eu sugerimos que os automóveis privados estimulam políticas de direita (anti-igualitárias) ao acorrentar potenciais atores políticos aos seus empregos, ao reduzir a mistura entre diferentes grupos sociais quando estão em trânsito e atomizar comunidades em subúrbios.
Mas é ainda mais fundamental que isso pelo facto do automóvel privado perpetuar a dominação de classe de múltiplas outras formas. Desde a aurora da era auto que o automóvel tem sido uma instrumento importante para os ricos se afirmarem socialmente. Antes da submissão moderna ao automóvel, um automóvel privado era visto como uma manifestação indiscreta e pomposa de riqueza. Uma edição de 1904 da revista agrícola, Gazeta dos Criadores, chamou aos condutores de automóveis, “uma horda infâme, imprudente e sedenta de sangue de transgressores loucos e ostentatórios” e em 1906 Woodrow Wilson, então presidente da Universidade de Princeton, declarou, “a posse de um automóvel é uma demonstração de riqueza tão ostentatória que irá estimular o socialismo”.
Entre os ricos, o automóvel era popular em parte porque reafirmava o seu domínio sobre a mobilidade, que havia sido ameaçado pelo transporte ferroviário. Antes da sua ascensão em meados de 1800s a elite viajava de cavalo e carruagem, mas a superioridade tecnológica do transporte ferroviário comprometeu a utilidade da carruagem puxada por cavalos. Mesmo para pequenas deslocações, os elétricos tornaram-se o modo de transporte favorito no início de 1900s. Mais acessíveis a várias classes sociais, o comboio e o elétrico esbateram as divisões de classe. O automóvel, por outro lado, oferecia uma forma exclusiva de viajar.
A capacidade do automóvel criar distância social era apelativa para os primeiro compradores. O proeminente historiador automóvel James J. Flink sublinhou que, “aos olhos dos adeptos da inovação, o automóvel parecia oferecer uma solução simples para alguns dos mais formidáveis problemas da vida americana associados à emergência de uma sociedade urbana industrial”.
Num automóvel em trânsito, pode permanecer-se separado daqueles percebidos como socialmente inferiores. Em Down  the Asphalt Path's, Clay McShane escreve acerca do desdém das elites pelos utilizadores de transportes públicos: “os autocarros eram sujos, barulhentos e sobreocupados. Era impossível para um utilizador de classe-média isolar-se de companheiros de viagem percebidos como socialmente inferiores”. Distanciar-se de negros, imigrantes, trabalhadores de colarinho azul e, em geral, daqueles estereotipados como inferiores, era muitas vezes o motivo pelo qual as classes médias se deslocavam para os subúrbios”.
O automóvel tornou possível viver longe dos pobres (ou de qualquer pessoa sem um automóvel). Num dos casos mais extremos de segregação moderna, as pessoas barricam-se em condomínios fechados. Ao longo dos Estados Unidos, especialmente no Sudoeste “automóvel-cêntrico”, milhões de famílias afluentes refugiaram-se nestas residências exclusivas e excludentes.
Se queremos uma sociedade mais igualitária devemos reverter a segregação geográfica e construir comunidades e cidades onde as pessoas possam deslocar-se sem automóvel privado.
Artigo de Yves Engler publicado no seu blog pessoal a 8 de Agosto de 2013, disponível em http://yvesengler.com/2013/08/08/inequality-thrives-where-cars-dominate/
Tradução de André Carmo para o HABITA                                                                                             

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