terça-feira, 8 de novembro de 2016

Responder à emergência social: por um Orçamento do Estado que vá ao encontro das reais necessidades sociais, com uma verdadeira política pública de habitação


Amanhã, dia 9 de Novembro, o Ministro do Ambiente irá ao parlamento fazer o debate parlamentar sobre o Programa de Ambiente no âmbito do orçamento de Estado de 2017. Desde já, ao analisarmos o relatório sabemos que este programa é uma desilusão porque não prevê nada para os que mais precisam – uma população substancial que com os baixos rendimentos que tem se encontra sem casa, em risco de a perder ou a viver em privação profunda devido aos problemas de habitação. Assim, vimos desde já chamar a atenção para este problema, pedindo ao Governo e aos grupos parlamentares uma reflexão sobre o que está previsto e sobre o que precisamos, esperando que hajam alterações neste campo no âmbito das alterações na especialidade.

São vários os mecanismos que têm vindo a degradar de forma substancial o direito à habitação no nosso País, destacando-se:
  • A redução acentuada dos rendimentos das famílias portuguesas. Portugal é hoje um dos países mais desiguais na Europa: 19,5% da sua população vive abaixo do limiar da pobreza; quase meio milhão de trabalhadores auferem o salário mínimo; 29% dos trabalhadores recebe menos de 700 euros mensais; temos 11,1% de desempregados, sendo este o valor oficial, não contabilizando os que não deixaram de integrar administrativamente as estatísticas;
  • O aumento extraordinário do preço da habitação está completamente desfasado da realidade dos rendimentos do trabalho em Portugal: Em Lisboa o preço da habitação aumentou 22% nos últimos 3 anos e, em termos nacionais, o aumento foi de 5,3%. A média de uma casa para arrendamento no distrito de Lisboa ronda hoje os 800 euros e, na cidade de Lisboa, os 1500; no distrito do Porto a média está nos 592 euros e na cidade do Porto, dos 686€. Os preços dispararam devido a uma série de políticas estatais e municipais, nomeadamente a liberalização do mercado, assim como do ordenamento, a agilização dos despejos e a promoção das isenções fiscais a estrangeiros e grandes promotores do imobiliário que têm única e exclusivamente promovido o alojamento turístico, o arrendamento de curta duração, a habitação de luxo e operações especulativas;
  • A interrupção do investimento nos programas de oferta pública de habitação desde 2009, conduziu à paragem do desenvolvimento de habitação social, tão insuficiente (apenas 3%) e estigmatizada no nosso país. À escassez de oferta públicas e social junta-se a ausência de um planeamento urbano adequado e uma regulação do mercado imobiliário no sentido de oferta de habitação conforme as necessidades sociais.
Tais processos, fruto de políticas concretas, consubstanciam o contexto hoje totalmente disfuncional de acesso à habitação, conducente ao gritante aumento das desigualdades. Atualmente este desastre é já sentido por muitas famílias, as quais recorrem ao Estado central e local, mas que são totalmente ignoradas por este, demissionário na procura de soluções, pelo que:
  • Milhares de famílias foram e continuam a ser despejadas por motivos de carência económica e não têm qualquer alternativa habitacional;
  • As listas de espera no IHRU e autarquias apresentam-se na ordem dos milhares;
  • 6 em cada 10 jovens, entre os 29 e os 34 anos, permanece em casa dos pais;
  • 30,9 % da população paga mais de 40% do seu rendimento em habitação, sendo que os mais sobrecarregados são os que auferem menos do que 60% do rendimento médio. O risco de pobreza aumenta para esta população em sobrecarga, devido ao preço da habitação. Os mais vulneráveis são pessoas idosas e doentes, famílias monoparentais e jovens;
  • A sobrelotação ronda os 10% nas estatísticas conhecidas e tende a crescer.
No entanto, programas de realojamento ou de desenvolvimento de habitação social estão estagnados: o PER (1993) ainda não foi concluído e mantém milhares de pessoas em condições sub-humanas. Para além disso, o PER exclui hoje cerca de 40% da população residente nos bairros abrangidos por este e, apesar das grandes dificuldades em que vive é brutalmente despejada; o PROHABITA está praticamente congelado desde 2009, à custa da austeridade.

Perante este cenário, é preciso questionar e refletir sobre o papel do Estado e qual o seu modelo de financiamento e partilha de recursos. As políticas e recursos públicos têm vindo a apoiar de forma esmagadora o mercado imobiliário, subsidiando-o direta ou indiretamente, sem que isso amplie o acesso à habitação, mas antes pelo contrário, reduzindo este direito fundamental, e tendo como repercussões o aumento da desigualdade e empobrecimento das famílias. Os atropelos flagrantes aos direitos humanos aumentam, como o demonstram os despejos forçados e sem alternativas.

O Orçamento do Estado para 2017 não só não aumenta as perspetivas para o desenvolvimento de uma política de habitação que responda às necessidades sociais como a diminui, uma vez que não contempla qualquer investimento em políticas sociais de habitação para quem mais precisa. O único apoio apresentado incide no alargamento do Porta65 jovem. Este programa consiste num subsídio que, na verdade, é apenas atribuido aos jovens que já têm rendimentos de uma chamada classe média e ajuda a contribuir para a manutenção de um arrendamento a preços elevados. A verba destinada ao PROHABITA é tão irrisória que apenas servirá para o realojamento de parte das famílias afetadas pelas catástrofes na Madeira.

Para além disso, as políticas de habitação previstas por este Governo serão executadas através de financiamento europeu, proveniente de fundos estruturais ou empréstimos ao Banco Europeu de Investimento, direcionadas sobretudo à reabilitação e à regeneração urbana, sendo que, apenas em parte desta habitação está prevista habitação acessível – ainda que não estando definido o que isso é –, mas sabendo-se de antemão que nunca será destinada à população mais carenciada, na medida em que tal investimento deverá garantir a rentabilidade dentro do modelo de mercado, como nos foi referido por representante do governo, é dirigida à classe média. No entanto, neste país desigual, precisamos que se olhe para a população que está cada vez mais longe desse conceito e que cresceu nos últimos anos. Também o Senhor Provedor de Justiça pede ao Governo soluções no âmbito do realojamento na sua recomendação de Agosto de 2016.

Os programas anunciados pelo Governo e o OE não respondem às necessidades mais prementes da sociedade, não respondem às dificuldades cumulativas que enfrentam as famílias e, por isso, resta-nos exigir a todos os grupos parlamentares, e ao Governo, que assumam as suas responsabilidades, com alterações ao Orçamento do Estado para 2017 no sentido da introdução de verbas que permitam retomar o desenvolvimento de habitação social ou de alternativas para as pessoas em situação de grande vulnerabilidade e risco, enquanto medida de emergência social, conforme ao desenvolvimento de uma política pública de habitação que responda efetivamente às necessidades sociais.

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