sábado, 28 de julho de 2012

Abaixo de cão (2)

Santa Filomena. “Há animais tratados com mais respeito”
Por Pedro Rainho, publicado em 27 Jul 2012 - 03:10

Moradores do bairro na Amadora acordaram com máquinas à porta e ordem de saída: ontem voltaram as demolições



Isabel Neto, 41 anos, intercala as palavras com lágrimas. Sentada numa cadeira de madeira meio desfeita, à sombra de uma árvore, vê a casa onde viveu nos últimos 13 anos ser transformada num monte de entulho. Outras quatro famílias passaram ontem pela mesma experiência e hoje a história deverá repetir-se, porque vêm abaixo as casas de mais dez famílias.

Ao lado de Isabel está o sobrinho de 33 anos, que veio há quase três de Cabo Verde “para estudar e fazer tratamento de hemodiálise”. Três vezes por semana segue para o Lumiar, para mais uma sessão de duas horas e meia: “Só a pessoa que passa por essa experiência sabe como é.” As outras duas sobrinhas que viviam com Isabel, de seis e 14 anos, foram-lhe retiradas de manhã e levadas para uma instituição por assistentes da Segurança Social. Mas sobre isso quase não falamos. O telemóvel toca e do outro lado está a sobrinha mais velha, Teresa, que ainda procura uma explicação para o que lhe aconteceu de manhã. O marido ficou no café, à entrada do bairro, porque o negócio não pode parar e porque agora é tudo o que lhes resta, já que não sabem onde vão dormir esta noite.

Demolições
A polícia bateu à porta quando passavam alguns minutos das dez da manhã. O nome de Isabel Neto era mais um de uma lista de 18 cujas casas deviam ser demolidas. Ordens da Câmara da Amadora, que há meses vinha repetindo os avisos aos moradores, dizendo-lhes que o Bairro de Santa Filomena vinha mesmo abaixo. Ontem continuou a primeira fase das demolições, que começaram há cerca de um mês e meio. “Foram muito agressivos com as palavras”, queixa-se o sobrinho, António Semedo, que não esconde alguma revolta pela situação: “Tem faltado diálogo entre a câmara e os moradores. Há animais tratados com mais respeito e educação.”

De manhã, o ultimato foi recebido com surpresa: deviam retirar tudo o que tinham em casa e sair. A história repetiu-se outras quatro vezes durante o dia, com outros moradores. Sem lugar para onde ir, foram os técnicos da autarquia quem recolheu móveis, quadros, roupa e loiças para uma carrinha de caixa aberta que levou todos os bens para um armazém da câmara. “A maior parte das pessoas não sabe o que vai fazer”, diz António Semedo. “Alguns talvez fiquem com a família, aqueles que a família aceitar.”

Segundo dia 
Hoje deverá ser novo dia de demolições. Segundo relatos de moradores que reuniram com a autarquia, a primeira fase deve estar concluída até ao fim do ano, e dentro de ano e meio todo o bairro terá desaparecido. Para quem ficou fora do Programa Especial de Realojamento (PER), a notícia significa que ou encontram um alojamento alternativo ou vão ficar na rua. O problema é que há 285 pessoas fora do PER, 79 das quais desempregadas e outras 87 em idade escolar. Uma renda de 250 ou 300 euros é, nestes casos, uma obrigação incomportável.

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