segunda-feira, 20 de abril de 2015

TTIP: uma ameaça à habitação, ao direito à terra e a cidades democráticas


Pelos Grupos pelo Direito à Habitação Europeus, 17 de Abril de 2015

As organizações abaixo assinadas, unidas na luta pelo direito à habitação e pelo direito à cidade, apoiam de modo inequívoco as manifestações contra o futuro acordo de comércio livre entre a União Europeia e os Estados Unidos (“Transatlantic Trade and Investment Partnership”) e o já acordado CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement). Por toda a Europa, manifestações contra estes acordos tiveram lugar no dia 18 de Abril de 2015.

Diferentes grupos ambientais, associações de consumidores, sindicatos e outras organizações da sociedade civil vêm alertando que as regras de comércio livre discutidas no âmbito do TTIP irão diminuir os padrões ambientais de produção agrícola, os padrões de saúde e alimentação e os padrões laborais nos serviços. Porque o TTIP está a ser negociado sob secretismo e porque prevê a criação de tribunais extra-estados para protecção de investidores (“investor-state dispute settlement”), muitos críticos temem que o acordo faça diminuir os mecanismos de soberania nacional e de democracia. Os apoiantes anti-TTIP antecipam igualmente consequências negativas quanto ao levantamento da proibição de fracking, ao desinvestimento nos sistemas de educação pública, à privatização de serviços municipais e à menor regulação de produtos financeiros. Tememos igualmente que o TTIP tenha consequências desastrosas no desenvolvimento urbano e nos mercados de habitação e de terra.

Como o TTIP tem sido discutido à porta fechada, não conseguimos saber os detalhes e consequências directas que o TTIP terá na habitação e nas cidades. Não sabemos se estes assuntos são sequer objecto das negociações. Mas não tivemos nenhum sinal de exclusão dos sectores imobiliário, da habitação pública ou social ou da regulação de investimentos financeiros. Tememos pois o pior. O TTIP e o CETA podem vir a ter um enorme impacto na habitação e nas nossas cidades.

Tanto quanto podemos vislumbrar a partir de informação reduzida e confusa, o TTIP tem quatro objectivos: (1) redução de barreiras não-tarifárias ao comércio, (2) protecção de investidores transnacionais, (3) harmonização de padrões industriais, (4) introdução de tribunais arbitrais comerciais. Cada um destes objectivos pode afectar a habitação, o território e as cidades de muitas maneiras.


1) A planeada redução de barreiras não-tarifárias ao comércio pode proibir as restrições à mobilidade do capital transnacional, as já existentes ou aquelas exigidas pelas populações para o futuro próximo, incluindo as regulações do comércio de habitações e de terra. Até agora, alguns países na Europa ainda limitam os direitos de estrangeiros em possuírem terra agrícola e casas. Outros excluem partes da terra e da habitação do mercado, através dos sistemas de habitação pública ou social. Em todos eles, a regulação da propriedade pode ser interpretada como uma barreira ao comércio. Nas negociações com vista ao TTIP, tais restrições ao mercado podem ser postas em causa, e como consequência cada vez mais propriedade se tornará alvo de investidores financeiros transnacionais. Por outro lado, a regulação dos sistemas de crédito, tanto europeia como nacional, pode igualmente ser vista pelos mercados financeiros como uma barreira ao comércio. Tudo isto pode levar a uma globalização cada vez mais rápida da financeirização da habitação. A consequência será um cada vez maior risco de bolhas imobiliárias e financeiras. 

2) A protecção dos direitos de investidores transnacionais pode afectar directamente as políticas locais e nacionais de stocks habitacionais, que são propriedade de fundos financeiros ou de empresas cotadas com accionistas e subsidiárias internacionais. Este sector inclui o alargado espectro de iniciativas público-privadas de habitação social e de infraestruturas públicas, e até joint ventures que têm sido fomentadas pela Comissão Europeia, por exemplo, em Itália. Qualquer limitação à exploração commercial da propriedade – através de direitos especiais dos inquilinos, de novas obrigações no planeamento urbano ou da taxação de transacções – podem vir a ser interpretadas como uma violação dos direitos de propriedade e da segurança do investidor. Isto é especialmente verdade se os governos nacionais quiserem introduzir nova regulação. A introdução de regulação quanto à insolvência privada ou a requisição pública de apartamentos vazios para habitação social, que são expectativas realistas em caso de eleição de um governo progressivo em Espanha, poderiam ser atacadas por fundos detidos por companhias como a Blackstone ou a Goldman Sachs, que já entraram no mercado de hipotecas de habitação pessoal. Em consequência, até os países que já têm regulação de insolvências privadas (muitos) ou que permitem requisição pública (Itália e França) seriam postos sob pressão. A segurança habitacional poderia igualmente ser atacada por accionistas norte-americanos. A introdução de controlos de renda um pouco mais apertados, tal como aconteceu recentemente na Alemanha, poderia ser entendida como uma ameaça à segurança do investidor, por exemplo no caso de accionistas americanos ou canadianos, como a Blackrock ou a Sun Life, de companhias de habitação alemãs, julgassem que o valor justo das suas companhias fosse afectado.

(3) A harmonização dos padrões industriais tem o potencial de afectar toda a gama de direitos de consumo e poderá levar ao enfraquecimento dos padrões de construção e de materiais de construção, dos serviços de manutenção e arquitectura ou dos produtos financeiros e contratos de crédito. Quanto aos materiais de construção, a harmonização pode consubstanciar-se num enfraquecimento dos padrões ambientais (por exemplo nas limitações às madeiras tropicais), de saúde (p ex. na utilização de substâncias nocivas) e das condições de trabalho. Como as autoridades públicas se verão forçadas a aceitar as propostas mais baixas, a competição global intensificará a já existente corrida para baixo. 

(4) Os tribunais arbitrais planeados (“investor-state dispute settlement”) julgarão as violações dos acordos de comércio livre sem terem de obedecer às leis ou constituições nacionais, nem às leis internacionais de direitos humanos. Em muitos países, estes tribunais serão simplesmente para-constitucionais. De acordo com a constituição de muitos países europeus, a propriedade acarreta obrigações sociais. Não é esse o caso nos acordos de comércio livre. Neste contexto, o risco das grandes companhias solicitarem avultadas indemnizações terá uma influência grande no processo legislativo (efeito dissuasor), com os governos a não arriscarem introduzir controlos de renda ou limites À construção por medo de pedidos de indemnizações de biliões de dólares devido às perdas financeiras dos investidores.

Não sabemos se a exclusão dos sectores da habitação e do imobiliário será objecto de discussão nas negociações secretas. De todo o modo, dados os seus objectivos é pouco provável que sectores nucleares como o imobiliário e a finança associada sejam de facto excluídos. (…) E tudo isto terá profundos efeitos no desenvolvimento urbano local e no planeamento urbano. Uma companhia transatlântica que comprou um terreno numa área em desenvolvimento poderá solicitar indemnizações por violação de segurança de investimento caso uma câmara municipal decida, por exemplo, reduzir a densidade de construção para comércio, aumentar a percentagem de habitação social num determinado empreendimento ou até parar o projecto. Isto dará imenso poder aos construtores privados no planeamento de projectos de desenvolvimento urbano nas zonas ribeirinhas, industriais e na limpeza de bairros populares.

Perderá a democracia local. Isto é ainda mais verdade para as políticas de habitação locais. Os referendos locais com vista a planos urbanos alternativos ou a melhor habitação social, como actualmente acontece em Berlim, poderiam ser parados pelos tribunais comerciais transatlânticos. As regras de construção municipais – como a obrigação de usar produtos amigos do ambiente ou de pagar o salário mínimo aos imigrantes trabalhadores da construção civil – estariam em risco igualmente.

Finalmente, o TTIP e o CETA terão uma enorme influência ao nível da União Europeia. Nas indústrias da construção, manutenção e serviços ou financeira os padrões de qualidade para o consumidor ficariam em riscos de ser harmonizados com os dos Estados Unidos, mais baixos.

Enquanto organizações de inquilinos e moradores tememos que os acordos planeados acarretem cada vez mais privatizações e controlo-pelo-investidor nas nossas cidades. O TTIP pode criar mais um tsunami de despossessão das pessoas da sua habitação, do seu território, das suas infra-estruturas sociais e da gestão democrática do território, na Europa, Estados Unidos e além. Na vez de se aprender com as lições do crash financeiro de 2007/2008, o TTIP dará continuidade ao caminho auto-destrutivo neoliberal, a construòùao de novas bolhas especulativas, que é apoiado por tantos governos e organizações, incluindo, no campo da habitação e das cidades, a preparação da conferência das Nações Unidas Habitat III.
Temos de pará-los. 


Precisamos de alianças fortes entre os movimentos sociais na Europa e na América do Norte, incluindo associações de moradores e inquilinos, para exigir aos governos que não assinem o TTIP.

Não ao TTIP! 

Primeiros signatários 
AK Kritische Geographie Frankfurt a.M. (critical geography group), Germany
Bündnis Zwangsräumung Verhindern (Alliance Stop Evictions) Berlin, Germany
Droit au Logement  (Right to Housing) and No Vox, Paris, France
Eisbrecher Wuppertal (Right to the city group), Germany
Encounter Athens, Athens, Greece
Habita – Associação pelo Direito à Habitação e À Cidade, Lisbon, Portugal
Housing Action Now, Dublin
International Alliance of Inhabitants
London Group of participants in European Housing Rights
MieterInnenverein Witten u. Umg. e.V. (Tenants Association) and Habitat Netz e.V., Witten, Germany
Mieterforum Ruhr (Ruhr Tenants Forum)
Plataforma de Afectados por la Hipoteca (PAH), Spain
Tribunal des Evictions (Genève)

www.reclaiming-spaces.org/2015/04/housing-action-groups-ttip-a-threat-to-social-housing-land-rights-and-democratic-cities

sexta-feira, 17 de abril de 2015

ONDE ESTÁ O DIREITO À HABITAÇÃO? Encontro jurídico internacional

Realiza-se amanhã, sábado, 18 de Abril, no IGOT, Campus Universitário de Lisboa, o Encontro Jurídico Internacional ONDE ESTÁ O DIREITO À HABITAÇÃO?

O encontro é uma oportunidade para suscitar e enriquecer o debate público e a formação jurídica face ao problema da habitação, abrindo a discussão para a procura de respostas alternativas e inovadoras, designadamente no domínio jurídico e da regulação, em geral.

O Direito à Habitação está consagrado na Constituição da República Portuguesa e é reconhecido pelos demais instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos, ratificados por Portugal e pela maioria dos países europeus. No entanto, a depreciação das condições de acesso à habitação e a diminuição das garantias a um alojamento digno e permanente revelam-se no número de pessoas sem casa, em perigo ou experienciando o efetivo despejo e no próprio agravamento das situações de empobrecimento motivadas pelo elevado peso dos encargos com a habitação no rendimento.

Este encontro decorre da necessidade de discutir e aprofundar as principais tipologias de casos de problemas relacionados com o direito à habitação, que ao longo do tempo, têm sido apresentados à Associação Habita e que revelam o panorama da problemática geral da Habitação no nosso país. Pretende-se, da discussão em torno dos instrumentos jurídicos existentes desenvolver e partilhar pistas de intervenção no sentido da defesa do direito à habitação. Os casos serão, sempre que possível, apresentados pelos próprios afetados/as, seguindo-se uma discussão na qual os diversos especialistas adicionam elementos relacionados com o seu trabalho.

Destacamos a presença de uma representante do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas, do Provedor-Adjunto de Justiça e da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados. Teremos ainda a apresentação de casos em Espanha (advogados da PAH, Plataforma Afectados pelas Hipotecas) e França (Doit au Logement).

Programa final disponível aqui.

PROGRAMA | Encontro Jurídico “Onde Está o Direito à Habitação?”

18 de Abril de 2015,
Auditório Orlando Ribeiro
IGOT, Cidade Universitária

9h15: Recepção e registo de participantes

9h30: Sessão de Abertura
Prof. Doutora Lucinda Fonseca, Presidente do IGOT: Abertura
Prof. Jorge Malheiros, IGOT: Onde Está o Direito à Habitação? Enquadramento e objectivos do Encontro
Juana Sotomayor, da Subdivisão de Procedimentos Especiais do Gabinete do Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas e representante da Relatora para a Habitação Adequada: O direito a uma habitação adequada: as normas internacionais.
Doutor Jorge Miranda Jacob, Provedor-Adjunto de Justiça: Um novo direito, um velho problema

10h45: Coffee Break

11h00: Painel 1: Bairros autoconstruídos: terrenos ocupados, despejos e demolições
Apresentação e comentário de três casos: Bairro do Zambujal (Loures); Bairros de Sta. Filomena,  6 de Maio e Estrela d’África (Amadora); Bairro da Cova da Moura (Amadora).

12h45: Almoço

14h00: Painel 2:  Crédito à Habitação, Dívida e Arrendamento: experiências ibéricas
Apresentação e comentário e debate de 4 casos: experiência espanhola; arrendamento; Crédito à Habitação; Renda Social.

16h00:  Coffee Break

16h15: Que solução para os sem casa? Casos de França e de Portugal

Apresentação e comentário de três casos: experiência francesa; sobrelotação; sem-abrigo.

17h45: Conclusões e encerramento
Apresentação e discussão das conclusões do Encontro.
Fecho
Rita Silva, Presidente da Habita- Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade

quarta-feira, 8 de abril de 2015

O que se passa na Amadora não é digno de um Estado de direito ou de uma democracia



Ontem, dia 7 de Abril, no Bairro Estrela de África, novamente a Câmara Municipal da Amadora voltou a mostrar o completo desprezo pela vida e pelos direitos dos seus munícipes. A autarquia demonstra claramente não estar à altura das suas funções. Despejou de forma violenta 17 pessoas, incluindo 5 crianças, e destas apenas uma pessoa tinha solução adequada. Ainda assim, nem a esta senhora, de 74 anos, deram tempo para que fizesse a mudança para a casa que tinha arranjado…. Ela foi, tal como os outros, escorraçada da casa onde vivia há várias décadas. 



A Câmara disse aos jornalistas e às instituições que as casas estavam vazias. Esta é a sua nova estratégia: surpreender tudo e todos, fazer o trabalhinho sujo depressa e depois dizer que as casas estavam vazias, fingindo que desconhece que ali vive gente e há muito tempo.

Ontem, também se dirigiram à casa da Dona Adriana (vídeo em baixo) e disseram-lhe para retirar as coisas da sua casa e ir embora porque viriam hoje. O mesmo não aconteceu, porque sabiam que hoje teriam os olhos dos ativistas, das pessoas solidárias, de deputados municipais e dos jornalistas por perto. Mas é assim que, segundo a autarquia, a próxima vez que forem lá, dirão que a casa da Dona Adriana estava vazia. Mas não. A Dona Adriana não saiu com os seus dois filhos menores e com o seu marido, porque com o rendimento total de 200 euros para a família, não tem para onde ir. Teme no entanto, e muito, pelo que lhe possa acontecer e às suas coisas. Vive ali há anos, e desde há tempos que nunca consegue dormir bem. É o medo, é o clima de terror proporcionado pelas nossas instituições, pelo nosso Estado….

O resultado de mais esta operação é a demolição de casas e a retirada violenta de pessoas, subterrando os próprios pertences das famílias (que não são sequer autorizadas a retirar as coisas), para instituir esse tal clima de terror que fará com que outros abandonem as casas. São 16 pessoas, incluindo 5 crianças, em situação de completa precariedade em termos habitacionais, muito mais grave do que quando viviam naquelas casas. É a ausência completa de respostas pelo Estado social, não assumindo qualquer responsabilidade a que está obrigado. Em vez disso a punição, o ataque a quem muito trabalhou, sempre foi mal pago, e agora está desempregado e sem rendimentos. As pessoas que ontem ficaram na rua improvisam, a partir de agora, formas de se alojarem temporariamente aqui e ali…. Mas ficaram ainda três homens a dormir na rua. Para estes não resta sequer mais nenhum improviso.

O que se passa no concelho da Amadora é um processo violento e sistemático de despejo de milhares de pessoas ao longo dos anos, que ficaram fora do PER – com mais de 20 anos de atraso na sua execução – em vários bairros que outrora tiveram permissão para existir e foram até incentivados. Agora, a violência é o maior perigo para a ordem pública, perpetrada pela máquina camarária e o Estado central, através da polícia e da própria segurança social. Esta não assume que, na verdade, faz atendimentos (que dão legitimidade ao processo) para dizer a estas famílias que não tem nenhuma solução digna desse nome e que, por isso mesmo, nem coloca por escrito.
Como é possível que estejamos calados perante isto? Como é possível que a sociedade não se levante contra esta barbárie e exija a paragem deste processo, a suspensão das demolições até haver alternativas de habitação, no segundo país com mais casas vazias da Europa? Tanto o desenvolvimento de uma política de habitação para todos, como a punição dos pobres e o desrespeito pela vida humana, são escolhas políticas que demonstram o tipo de sociedade em que vivemos e a qualidade dos nossos chamados governantes. Da análise atual não poderemos chamar a isto nem uma democracia nem um Estado de direito.  




segunda-feira, 6 de abril de 2015

Bairro de Santa Filomena, inquilinos em risco de despejo ou famílias hipotecadas, é tudo a mesma luta!




Tem-se falado no Bairro de Santa Filomena. Se nada mais foi conseguido, pelo menos deu-se visibilidade ao processo atroz de despejo. Mas, na verdade, a Câmara Municipal da Amadora organiza há muito e em diversos bairros da Amadora, (Azinhaga, 6 de Maio, Estrela de África, e muitos outros) este processo, violento e sistemático, de despejo de milhares de famílias sem apresentar qualquer solução digna desse nome.

Mas será Santa Filomena e os restantes bairros da Amadora um caso pontual e muito específico da iniquidade daquele concelho e daquele executivo? o que tem Santa Filomena que ver com o resto da história? Bem, tem tudo a ver, vivemos na mesma sociedade, e não podemos aceitar as práticas de violência e de desprezo total pelos direitos fundamentais das pessoas. Hoje são eles, amanhã somos nós. Igualmente, o que se passa na Amadora, é um reflexo doloroso do que é a política de habitação e que nos afeta a todos nós, de formas diversas. A aposta foi o apoio ao crédito, ou seja o subsídio direto à banca e às construtoras: "Em 25 anos, entre 1987 e 2011, o Estado português despendeu €9,6 mil milhões, dos quais 73,3% se referem a bonificações de juros do crédito à construção ou à aquisição de habitação, ou seja, quase três quartos do esforço realizado neste período"[1]. Não houve nem aposta no mercado de arrendamento, mais caro para as famílias do que comprar uma casa, nem na habitação social, apenas 2% no país, extremamente estigmatizada. O que daria para fazer com tal orçamento público, se as escolhas tivessem sido outras, é algo a que temos de nos dedicar em outro artigo....
 
Mas que originou esta política que despendeu tanto em termos de orçamento público? Isso sabemos: em primeiro lugar, o aumento do preço da habitação, na mesma proporção da quantidade de crédito disponível, tal qual bolha imobiliária, que faz com que paguemos muito mais pelas casas do que elas valem; em segundo lugar, que ficássemos altamente endividados (país e famílias); em terceiro, que muitos continuassem a pagar muito caro pelo arrendamento; quarto, pelos preços elevados e pelo nível dos rendimentos e da pobreza em Portugal, que muitos não tivessem (nem tenham) sequer acesso nem ao crédito, nem ao arrendamento, nem à habitação social e fossem parar às chamadas “barracas”, sobrelotação, anexos, quartos etc.; quinto, quase um milhão de casas vazias.


Depois, o recente aumento do arrendamento social e a precarização destes contratos, que pretendem vagar casas da muito escassa habitação social, para mandar pessoas para o arrendamento livre e dar lugar a outras; e a liberalização total do arrendamento, vieram aprofundar o perigo de exclusão e empobrecimento.

 Agora, perante este cenário e com o desemprego e os cortes nos ordenados e pensões, a tendência é para os despejos aumentarem por todo o lado (o que já começou a acontecer, infelizmente de forma tão silenciosa). Assim, qualquer despejo sem solução alternativa adequada tem de causar total indignação por parte de todos/as nós. E por isso, o problema de Santa Filomena – que tem muitas pessoas de origem imigrante, trabalhadores/as árduos nesta terra –  é o mesmo que o problema de uma família sobre endividada que sofre constantemente a pressão do banco, ou de uma família em risco de perder a casa por penhora, ou de alguém que recebe uma carta de despejo por não ter pago dois meses de renda (nova lei das rendas) ou de uma família que vive na habitação social e já não aguenta. Todos são vítimas da mesma política. Do que falo é da hipótese de solidariedade, de união e de mobilização entre diferentes grupos sociais, que estão numa diversidade de situações de aflição relativa à habitação num mercado que, ainda que fragmentado, corresponde a uma política única. Só a concretização desta hipótese poderá dar origem a um movimento ganhador e ao desenvolvimento concreto de políticas de habitação para todos/as e só um movimento amplo poderá parar esta onda de despejos, a começar pelo Bairro de Santa Filomena ou Bairro de 6 de Maio, continuando junto de toda e qualquer família que esteja em risco.
Rita Silva