terça-feira, 8 de agosto de 2017

A Rua dos Lagares mostra-nos que é possível travar os despejos


Na Rua dos Lagares nº 25, bairro da Mouraria, 16 famílias iam ser despejadas pelo novo proprietário do edifício, não lhes renovando os contratos. Estava a preparar-se para aumentar fortemente os seus rendimentos: subir drasticamente as rendas, fazer alojamento local para turismo ou vender eram as várias possibilidades que fazem com que hoje o investimento imobiliário-financeiro corra a Lisboa para, literalmente, fazer milhões, à custa do afastamento, da expulsão, do despejo dos moradores que já não têm poder de compra para um mercado que se tornou inacessível para a maioria da população trabalhadora em Portugal.

Os moradores e, muito especialmente, as moradoras da Rua dos Lagares não se conformaram com a sua expulsão. Além de não quererem abandonar o bairro que as viu nascer ou em que passaram grande parte da sua vida, não tinham nenhuma alternativa de habitação a preços que conseguissem comportar, nem em Lisboa, nem fora. As rendas hoje ultrapassam largamente os baixos salários que, infelizmente, abundam.

As famílias organizaram-se, exigiram os seus direitos, direito à habitação e o direito a permanecer na cidade onde trabalham, para a qual contribuem diariamente; exigiram ter voz neste processo, recusando a sua saída e pressionando os poderes eleitos. Em vez de pedir ajuda – expressão contaminada por um assistencialismo desempoderador que tanto marca mentalidades no nosso país – as famílias organizaram-se para exigir os seus direitos e fazer ouvir a sua voz, como moradores/as, como cidadãos/ãs. E dirigiram-se aos poderes que têm obrigação, não de ajudar, mas de desenvolver políticas e processos que promovam a justiça social, a igualdade, o respeito pelos direitos.

A Câmara Municipal de Lisboa disse que não havia nada que pudesse fazer, que tal era um problema da lei das rendas (que o governo PS ainda não mudou no que é fundamental), dos proprietários e do mercado. Os moradores e, especialmente, as moradoras, não se conformaram e continuaram a sua luta de várias formas (Santo António Contra os Despejos, pagina de facebook, participação em reuniões de Câmara e Assembleias Municipais, elaboração de vídeos de denúncia e, se fosse preciso, manifestações, concentrações, etc). Elas estavam preparadas para tudo!

E assim, num repente, a CML – pela mão da Vereadora da Habitação Paula Marques – negoceia com o proprietário a renovação dos contratos para mais cinco anos sem aumento de rendas e a execução de obras há muito necessárias. Muito Bem! Agora falta fazer o mesmo para muitas outras famílias que estão sob ordem de saída.

Esta bela história ainda não está acabada (é preciso ter os contratos na mão e cinco anos, são cinco anos...), mas é já uma grande vitória. Esta vitória vai para além da Rua dos Lagares, ela ensina-nos que é possível travar os despejos. Que vale a pena nos organizarmos e lutar, que só assim conseguimos conquistar ou manter direitos e fazer valer a justiça social. Ensina-nos também que as autarquias e, especialmente, a Câmara de Lisboa, se quiserem, têm mecanismos para acabar com os despejos. Entre outros: exercer o direito de preferência, quando os prédios estão a ser vendidos, para aumentar o seu parque de arrendamento e evitar a expulsão; negociar com os proprietários a manutenção dos inquilinos em troca de licenciamentos e dos apoios à reabilitação; obrigar a quotas de arrendamento permanente e acessível a todos/as em cada projeto de construção nova ou reabilitação; utilizar as casas municipais do património disperso para realojar quem está a ser expulso dos seus lugares, garantindo que as pessoas permanecem nas suas comunidades; limitar fortemente o Alojamento Local; apertar a regulamentação e fiscalização de obras, etc. etc.

Ainda faltam mudar a lei das rendas e a política de Estado e Municipal que incentivam, que premeiam, a especulação. Estes continuam a ser grandes desafios. Há muitas mais famílias a serem despejadas neste momento em Lisboa, e em outras cidades do país. Também elas precisam de solução. Para enfrentar tudo isto temos agora mais força.

Obrigada aos moradores e, especialmente, às moradoras da Rua dos Lagares.


Rita Silva