quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Situação crítica no Bairro da Torre - Loures




Bairro da Torre: "Vivemos na escuridão. Tenho que dar banho às crianças no quintal"


O Bairro da Torre, em Loures, vive às escuras há dois meses. Uma parte do bairro não tem água canalizada há quatro anos. E é o lixo que ladeia o terreno a paredes meias com o aeroporto de Lisboa. “Já não há bairros assim”, pensava uma das moradoras.

Situação crítica na habitação vista pela ONU

Relatora da ONU sobre habitação em Portugal: “Algumas das condições que vi são deploráveis”

Leilani Farha esteve em Portugal a avaliar o impacto da crise na habitação. Foi a Lisboa, Porto e arredores das duas cidades. "Estou surpreendida? Talvez não. Estou destroçada? Absolutamente. Acho que tem solução? Facilmente", diz.

Situação crítica no Bairro 6 de Maio - Amadora

Reportagem [jornal Público]

Este é o apocalipse dos “sem direito” a casa

Andar pelo 6 de Maio é pisar despojos de vidas. Ainda lá vivem pelo menos 100 famílias. Ao fim de 23 anos, e de 2,4 mil milhões de euros, o Programa Especial de Realojamento deixou milhares “sem direito” a casa. Dois peritos em direitos humanos da ONU estão em Portugal a avaliar a habitação
No dia em que lhe demoliram a casa, eram umas 9h. Ondina Tavares desceu do seu quarto, apagou o lume, abriu a porta e deu de caras com a polícia e com alguém que julga ser funcionário da Câmara Municipal da Amadora.


— A senhora vai ser desalojada hoje, tem de sair. Vá arrumar as suas coisas, disseram-lhe.
Estava à espera de um papel na porta da sua casa no Bairro 6 de Maio, Amadora, a notificar. Mas nada. De roupão, perguntou:
— Não põem papel na porta, não avisam, não telefonam? Mas têm o meu número!
Era dia 3 de Outubro. Estava sozinha. Subiu ao segundo andar para ligar à filha.
— Fiquei a tremer, não conseguia fazer nada. Nada, nada, desabafa hoje, voz trémula, nervosa na conjugação dos verbos.
Ondina tem problemas de tiróide e de tensão, tem um pacemaker.
— Maria Suzete, vem rápido porque eu estou desorientada, pediu à filha. A câmara mandou tirar as coisas, a casa vem para baixo.
Ela continuava desorientada. Deixou os homens que entraram a tratar das suas coisas. Sentia-se incapaz.
— Não sabia dar conta de nada. Eles deviam ter avisado… eu tirava as minhas coisas, queixa-se hoje.
Foram eles que puseram as coisas em sacos de lixo pretos, ainda hoje amontoados em casa do irmão, para onde Ondina, a filha e os netos foram temporariamente viver. Os móveis seriam levados para um armazém da câmara, com remédios e papéis de consultas lá dentro.





77 agregados PER (dos 424 iniciais), ainda esperam realojamento; quanto às famílias “sem direito” ao PER, a CMA não sabe quantificar.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

A propósito dos direitos humanos: a sacralização da propriedade privada



O legalismo é suficiente para que um direito fundamental consagrado na Constituição Portuguesa seja ignorado pelos poderes públicos? Ou os poderes públicos servem outros interesses que não a CR?

Ontem houve uma reunião convocada pela associação de moradores do Bairro da Torre na sua justa luta para resolver um problema maior do bairro: voltar a ter electricidade no bairro, tanto nos contadores individuais como na iluminação pública.
Edp, ANA (aeroportos de Portugal), ANAC (Autoridade Nacional para a Aviação Civil), Segurança Social, Saúde foram convidadas mas só as autarquias deram a cara: parabéns ao Presidente da JF de Camarate e à Vereadora da CML ali presentes e aos Bombeiros de Camarate que ofereceram as instalações.

Raramente vi uma afirmação mais genuína de dignidade ferida. Os moradores reclamavam “apenas” que lhes voltassem a ligar a electricidade e partilharam simplesmente o que é, nos dias de hoje, viver sem luz: escuridão às cinco da tarde, impossibilidade de as crianças fazerem os trabalhos da escola, não chegar o dinheiro para comer porque o frigorífico está parado e comprar todos os dias sai mais caro, bebés com medo do escuro, o medo do fogo ateado por velas tombadas...

A electricidade foi cortada a 19 de Outubro passado por procedimentos que parecem revelar bastantes ilegalidades, além do óbvio ataque à vida e aos direitos humanos daquelas pessoas.
O que aconteceu então? Pelo que se foi percebendo ao longo da reunião, a ANA aeroportos de Portugal mandou a EDP cortar a luz no bairro porque (pasme-se!) ali havia perigo de incêndio. Também ouvi dizer que a preocupação da ANA seria que o bairro perturba a manobra dos aviões! Como se usar velas não aumentasse risco de incêndio e como se a luz de 80 barracas se sobrepusesse à iluminação que as rodeia.
Em cerca de 40 anos que o Bairro leva*, nunca a ANA contactou os moradores para nada, nunca tinha mostrado qualquer sinal de que queria cuidar do terreno, NADA. Ao que parece avisou sobre a intenção de cortar a luz uns dias antes. A Câmara de Loures tem feito o que pode para reverter a situação, mas esbarra num obstáculo “intransponível”: afinal a ANA, que mandou cortar a luz, já não se assume como dono do terreno e ninguém sabe ao certo de quem seja! Talvez a ANAC?

É extraordinário: um título de propriedade não é exigido a quem manda cortar a luz a 70 famílias mas a falta de consentimento de um dono de terreno que nunca apareceu nem mostrou interesse serve para que essas 70 famílias estejam há quase 2 meses sem luz.

A solução apresentada pela CML é que se aguarde (pacientemente?) pelo dia 16, em que a CML será recebida pela ANAC: aí, então, se verá SE a ANAC é dona e SE autoriza a Câmara a religar a electricidade, pelo menos provisoriamente. Ou seja, não foi possível fazer vigorar a urgência de ter 250 pessoas a viver sem luz, nem é possível assegurar que o verdadeiro dono foi encontrado. 

Assim, o que se pede a estas pessoas é que pacientemente aguardem um possível NÃO!
Maria João Costa

*O Bairro da Torre em Camarate, que os jornais costumam chamar “bairro clandestino” (que é isso?), é um bairro que nasceu há mais de 20 anos com casas construídas pelos seus moradores, gente chamada a vir construir o que agora é o Parque das Nações, em terrenos vagos perto do aeroporto de Lisboa. Em 2011 a maior parte das pessoas (então cerca de 1500) foi realojada, restaram cerca de 70 famílias (250 pessoas) que ali sobrevivem, sem capacidade para pagar uma renda no mercado de arrendamento livre.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Perigo de Despejo em Lisboa: pedido de esclarecimentos à Vereadora da Habitação


Exma Sra. Vereadora Paula Marques,

Nos dias 26 de Outubro e no dia 3 de Novembro enviámos ofícios à Senhora Vereadora pedindo uma análise cuidada e alternativas para Carla Ferreira, mulher sozinha com duas crianças a cargo, em situação de completa precariedade laboral e que se encontra numa situação de iminência de despejo de habitação social na Quinta do Lavrado, onde começou a viver à cerca de um ano para tratar de um senhor idoso que entretanto foi internado em instituição especializada. A Carla procurou outra solução de habitação e não encontrou qualquer alternativa para a sua situação. Posteriormente, Carla Ferreira dirigiu-se à Assembleia Municipal para dar conta da sua situação e, mais uma vez pedir ajuda.

Não recebemos qualquer resposta aos ofícios enviados sobre esta situação particular a não ser que os regulamentos seriam cumpridos. O pior é que essa abordagem não olha de todo para a situação que as pessoas estão a passar no concreto.

Ontem, dia 30 de Novembro, Carla é surpreendida com um documento colado na porta dando-lhe três dias úteis para abandonar a habitação, assim como ameaças de prisão e toda uma série de penalizações por estar a viver naquela casa. A Carla não cometeu nenhum crime, entrou naquela casa através de uma relação laboral e agora não tem como sair, assim está a fazer tudo para poder dar um teto a si e aos seus filhos tendo-se dirigido à autarquia e à assembleia municipal. Perguntamos se terá ela alternativas? acaso houve um estudo da situação social que a Carla vive? houve alguma comunicação com esta, algum acompanhamento no sentido de encontrarmos alternativas?

Solicitamos, mais uma vez, uma resposta urgente a esta comunicação.

Os nossos cumprimentos,

(este é o email que acabámos de enviar à Vereadora Paula Marques) referência do ofício ENT/756/GVPM/16

A Carla precisa de uma resposta, não pode ir para a rua e não ficar no limbo sem resposta....
Este não é apenas um caso isolado, é um exemplo da situação em que se encontram muitos e muitas lisboetas que não conseguem aceder ao mercado privado nem a uma habitação social ou a uma chamada habitação acessível. É um problema de todos/as! Não é também um caso de polícia, mas um caso de emergência social!

Aqui as fotos da comunicação colada na porta pela polícia.




e o video da intervenção da Carla Ferreira na Assembleia Municipal


terça-feira, 8 de novembro de 2016

Responder à emergência social: por um Orçamento do Estado que vá ao encontro das reais necessidades sociais, com uma verdadeira política pública de habitação


Amanhã, dia 9 de Novembro, o Ministro do Ambiente irá ao parlamento fazer o debate parlamentar sobre o Programa de Ambiente no âmbito do orçamento de Estado de 2017. Desde já, ao analisarmos o relatório sabemos que este programa é uma desilusão porque não prevê nada para os que mais precisam – uma população substancial que com os baixos rendimentos que tem se encontra sem casa, em risco de a perder ou a viver em privação profunda devido aos problemas de habitação. Assim, vimos desde já chamar a atenção para este problema, pedindo ao Governo e aos grupos parlamentares uma reflexão sobre o que está previsto e sobre o que precisamos, esperando que hajam alterações neste campo no âmbito das alterações na especialidade.

São vários os mecanismos que têm vindo a degradar de forma substancial o direito à habitação no nosso País, destacando-se:
  • A redução acentuada dos rendimentos das famílias portuguesas. Portugal é hoje um dos países mais desiguais na Europa: 19,5% da sua população vive abaixo do limiar da pobreza; quase meio milhão de trabalhadores auferem o salário mínimo; 29% dos trabalhadores recebe menos de 700 euros mensais; temos 11,1% de desempregados, sendo este o valor oficial, não contabilizando os que não deixaram de integrar administrativamente as estatísticas;
  • O aumento extraordinário do preço da habitação está completamente desfasado da realidade dos rendimentos do trabalho em Portugal: Em Lisboa o preço da habitação aumentou 22% nos últimos 3 anos e, em termos nacionais, o aumento foi de 5,3%. A média de uma casa para arrendamento no distrito de Lisboa ronda hoje os 800 euros e, na cidade de Lisboa, os 1500; no distrito do Porto a média está nos 592 euros e na cidade do Porto, dos 686€. Os preços dispararam devido a uma série de políticas estatais e municipais, nomeadamente a liberalização do mercado, assim como do ordenamento, a agilização dos despejos e a promoção das isenções fiscais a estrangeiros e grandes promotores do imobiliário que têm única e exclusivamente promovido o alojamento turístico, o arrendamento de curta duração, a habitação de luxo e operações especulativas;
  • A interrupção do investimento nos programas de oferta pública de habitação desde 2009, conduziu à paragem do desenvolvimento de habitação social, tão insuficiente (apenas 3%) e estigmatizada no nosso país. À escassez de oferta públicas e social junta-se a ausência de um planeamento urbano adequado e uma regulação do mercado imobiliário no sentido de oferta de habitação conforme as necessidades sociais.
Tais processos, fruto de políticas concretas, consubstanciam o contexto hoje totalmente disfuncional de acesso à habitação, conducente ao gritante aumento das desigualdades. Atualmente este desastre é já sentido por muitas famílias, as quais recorrem ao Estado central e local, mas que são totalmente ignoradas por este, demissionário na procura de soluções, pelo que:
  • Milhares de famílias foram e continuam a ser despejadas por motivos de carência económica e não têm qualquer alternativa habitacional;
  • As listas de espera no IHRU e autarquias apresentam-se na ordem dos milhares;
  • 6 em cada 10 jovens, entre os 29 e os 34 anos, permanece em casa dos pais;
  • 30,9 % da população paga mais de 40% do seu rendimento em habitação, sendo que os mais sobrecarregados são os que auferem menos do que 60% do rendimento médio. O risco de pobreza aumenta para esta população em sobrecarga, devido ao preço da habitação. Os mais vulneráveis são pessoas idosas e doentes, famílias monoparentais e jovens;
  • A sobrelotação ronda os 10% nas estatísticas conhecidas e tende a crescer.
No entanto, programas de realojamento ou de desenvolvimento de habitação social estão estagnados: o PER (1993) ainda não foi concluído e mantém milhares de pessoas em condições sub-humanas. Para além disso, o PER exclui hoje cerca de 40% da população residente nos bairros abrangidos por este e, apesar das grandes dificuldades em que vive é brutalmente despejada; o PROHABITA está praticamente congelado desde 2009, à custa da austeridade.

Perante este cenário, é preciso questionar e refletir sobre o papel do Estado e qual o seu modelo de financiamento e partilha de recursos. As políticas e recursos públicos têm vindo a apoiar de forma esmagadora o mercado imobiliário, subsidiando-o direta ou indiretamente, sem que isso amplie o acesso à habitação, mas antes pelo contrário, reduzindo este direito fundamental, e tendo como repercussões o aumento da desigualdade e empobrecimento das famílias. Os atropelos flagrantes aos direitos humanos aumentam, como o demonstram os despejos forçados e sem alternativas.

O Orçamento do Estado para 2017 não só não aumenta as perspetivas para o desenvolvimento de uma política de habitação que responda às necessidades sociais como a diminui, uma vez que não contempla qualquer investimento em políticas sociais de habitação para quem mais precisa. O único apoio apresentado incide no alargamento do Porta65 jovem. Este programa consiste num subsídio que, na verdade, é apenas atribuido aos jovens que já têm rendimentos de uma chamada classe média e ajuda a contribuir para a manutenção de um arrendamento a preços elevados. A verba destinada ao PROHABITA é tão irrisória que apenas servirá para o realojamento de parte das famílias afetadas pelas catástrofes na Madeira.

Para além disso, as políticas de habitação previstas por este Governo serão executadas através de financiamento europeu, proveniente de fundos estruturais ou empréstimos ao Banco Europeu de Investimento, direcionadas sobretudo à reabilitação e à regeneração urbana, sendo que, apenas em parte desta habitação está prevista habitação acessível – ainda que não estando definido o que isso é –, mas sabendo-se de antemão que nunca será destinada à população mais carenciada, na medida em que tal investimento deverá garantir a rentabilidade dentro do modelo de mercado, como nos foi referido por representante do governo, é dirigida à classe média. No entanto, neste país desigual, precisamos que se olhe para a população que está cada vez mais longe desse conceito e que cresceu nos últimos anos. Também o Senhor Provedor de Justiça pede ao Governo soluções no âmbito do realojamento na sua recomendação de Agosto de 2016.

Os programas anunciados pelo Governo e o OE não respondem às necessidades mais prementes da sociedade, não respondem às dificuldades cumulativas que enfrentam as famílias e, por isso, resta-nos exigir a todos os grupos parlamentares, e ao Governo, que assumam as suas responsabilidades, com alterações ao Orçamento do Estado para 2017 no sentido da introdução de verbas que permitam retomar o desenvolvimento de habitação social ou de alternativas para as pessoas em situação de grande vulnerabilidade e risco, enquanto medida de emergência social, conforme ao desenvolvimento de uma política pública de habitação que responda efetivamente às necessidades sociais.

Responder à emergência social: por um Orçamento do Estado que vá ao encontro das reais necessidades sociais, com uma verdadeira política pública de habitação


Amanhã, dia 9 de Novembro, o Ministro do Ambiente irá ao parlamento fazer o debate parlamentar sobre o Programa de Ambiente no âmbito do orçamento de Estado de 2017. Desde já, ao analisarmos o relatório sabemos que este programa é uma desilusão porque não prevê nada para os que mais precisam – uma população substancial que com os baixos rendimentos que tem se encontra sem casa, em risco de a perder ou a viver em privação profunda devido aos problemas de habitação. Assim, vimos desde já chamar a atenção para este problema, pedindo ao Governo e aos grupos parlamentares uma reflexão sobre o que está previsto e sobre o que precisamos, esperando que hajam alterações neste campo no âmbito das alterações na especialidade.

São vários os mecanismos que têm vindo a degradar de forma substancial o direito à habitação no nosso País, destacando-se:
  • A redução acentuada dos rendimentos das famílias portuguesas. Portugal é hoje um dos países mais desiguais na Europa: 19,5% da sua população vive abaixo do limiar da pobreza; quase meio milhão de trabalhadores auferem o salário mínimo; 29% dos trabalhadores recebe menos de 700 euros mensais; temos 11,1% de desempregados, sendo este o valor oficial, não contabilizando os que não deixaram de integrar administrativamente as estatísticas;
  • O aumento extraordinário do preço da habitação está completamente desfasado da realidade dos rendimentos do trabalho em Portugal: Em Lisboa o preço da habitação aumentou 22% nos últimos 3 anos e, em termos nacionais, o aumento foi de 5,3%. A média de uma casa para arrendamento no distrito de Lisboa ronda hoje os 800 euros e, na cidade de Lisboa, os 1500; no distrito do Porto a média está nos 592 euros e na cidade do Porto, dos 686€. Os preços dispararam devido a uma série de políticas estatais e municipais, nomeadamente a liberalização do mercado, assim como do ordenamento, a agilização dos despejos e a promoção das isenções fiscais a estrangeiros e grandes promotores do imobiliário que têm única e exclusivamente promovido o alojamento turístico, o arrendamento de curta duração, a habitação de luxo e operações especulativas;
  • A interrupção do investimento nos programas de oferta pública de habitação desde 2009, conduziu à paragem do desenvolvimento de habitação social, tão insuficiente (apenas 3%) e estigmatizada no nosso país. À escassez de oferta públicas e social junta-se a ausência de um planeamento urbano adequado e uma regulação do mercado imobiliário no sentido de oferta de habitação conforme as necessidades sociais.
Tais processos, fruto de políticas concretas, consubstanciam o contexto hoje totalmente disfuncional de acesso à habitação, conducente ao gritante aumento das desigualdades. Atualmente este desastre é já sentido por muitas famílias, as quais recorrem ao Estado central e local, mas que são totalmente ignoradas por este, demissionário na procura de soluções, pelo que:
  • Milhares de famílias foram e continuam a ser despejadas por motivos de carência económica e não têm qualquer alternativa habitacional;
  • As listas de espera no IHRU e autarquias apresentam-se na ordem dos milhares;
  • 6 em cada 10 jovens, entre os 29 e os 34 anos, permanece em casa dos pais;
  • 30,9 % da população paga mais de 40% do seu rendimento em habitação, sendo que os mais sobrecarregados são os que auferem menos do que 60% do rendimento médio. O risco de pobreza aumenta para esta população em sobrecarga, devido ao preço da habitação. Os mais vulneráveis são pessoas idosas e doentes, famílias monoparentais e jovens;
  • A sobrelotação ronda os 10% nas estatísticas conhecidas e tende a crescer.
No entanto, programas de realojamento ou de desenvolvimento de habitação social estão estagnados: o PER (1993) ainda não foi concluído e mantém milhares de pessoas em condições sub-humanas. Para além disso, o PER exclui hoje cerca de 40% da população residente nos bairros abrangidos por este e, apesar das grandes dificuldades em que vive é brutalmente despejada; o PROHABITA está praticamente congelado desde 2009, à custa da austeridade.

Perante este cenário, é preciso questionar e refletir sobre o papel do Estado e qual o seu modelo de financiamento e partilha de recursos. As políticas e recursos públicos têm vindo a apoiar de forma esmagadora o mercado imobiliário, subsidiando-o direta ou indiretamente, sem que isso amplie o acesso à habitação, mas antes pelo contrário, reduzindo este direito fundamental, e tendo como repercussões o aumento da desigualdade e empobrecimento das famílias. Os atropelos flagrantes aos direitos humanos aumentam, como o demonstram os despejos forçados e sem alternativas.

O Orçamento do Estado para 2017 não só não aumenta as perspetivas para o desenvolvimento de uma política de habitação que responda às necessidades sociais como a diminui, uma vez que não contempla qualquer investimento em políticas sociais de habitação para quem mais precisa. O único apoio apresentado incide no alargamento do Porta65 jovem. Este programa consiste num subsídio que, na verdade, é apenas atribuido aos jovens que já têm rendimentos de uma chamada classe média e ajuda a contribuir para a manutenção de um arrendamento a preços elevados. A verba destinada ao PROHABITA é tão irrisória que apenas servirá para o realojamento de parte das famílias afetadas pelas catástrofes na Madeira.

Para além disso, as políticas de habitação previstas por este Governo serão executadas através de financiamento europeu, proveniente de fundos estruturais ou empréstimos ao Banco Europeu de Investimento, direcionadas sobretudo à reabilitação e à regeneração urbana, sendo que, apenas em parte desta habitação está prevista habitação acessível – ainda que não estando definido o que isso é –, mas sabendo-se de antemão que nunca será destinada à população mais carenciada, na medida em que tal investimento deverá garantir a rentabilidade dentro do modelo de mercado, como nos foi referido por representante do governo, é dirigida à classe média. No entanto, neste país desigual, precisamos que se olhe para a população que está cada vez mais longe desse conceito e que cresceu nos últimos anos. Também o Senhor Provedor de Justiça pede ao Governo soluções no âmbito do realojamento na sua recomendação de Agosto de 2016.

Os programas anunciados pelo Governo e o OE não respondem às necessidades mais prementes da sociedade, não respondem às dificuldades cumulativas que enfrentam as famílias e, por isso, resta-nos exigir a todos os grupos parlamentares, e ao Governo, que assumam as suas responsabilidades, com alterações ao Orçamento do Estado para 2017 no sentido da introdução de verbas que permitam retomar o desenvolvimento de habitação social ou de alternativas para as pessoas em situação de grande vulnerabilidade e risco, enquanto medida de emergência social, conforme ao desenvolvimento de uma política pública de habitação que responda efetivamente às necessidades sociais.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Carta ao Secretário de Estado do Ambiente e à CM Amadora

Vimos apelar a todos e todas que colaborem nesta campanha com dois pedidos fundamentais, ambos também em linha com a recomendação do Provedor de Justiça:
  • que o Governo assuma as suas responsabilidades em termos de protecção social e assegure o Direito à Habitação das famílias que foram despejadas no Bairro 6 de Maio na Amadora, articulando com o IHRU e Segurança Social alternativas para as pessoas.
  • que a Câmara municipal da Amadora suspenda as demolições no sentido de se encontrarem soluções em diálogo com o ministério e IHRU.
Ambas as reivindicações são básicas, vão no sentido do Estado assegurar aquilo que deveria ser a sua função, promover a vida e a dignidade humana e desenvolver uma política pública que responda às necessidades sociais. Pedimos que estes pedidos sejam enviados a partir do vosso email, de forma a pressionar o Governo, a Câmara e o IHRU a assumirem as suas responsabilidades. Os emails deve ser enviados cc/ das forças políticas que sustentam a actual maioria parlementar. Se quiserem escrever antes uma mensagem personalizada, força!

MINUTA

ASSUNTO: Bairro 6 de Maio | Suspensão dos despejos e resposta a emergência social


Exmos(as) Srs(as)
Ministro do Ambiente,
Secretário de Estado do Ambiente, José Mendes
gabinete.seaamb@mamb.gov.pt
Presidente da Câmara da Amadora
gab.presidencia@cm-amadora.pt


Cc:
helena.roseta@ps.parlamento.pt pev.correio@pev.parlamento.pt gp_pcp@pcp.parlamento.pt bloco.esquerda@be.parlamento.pt

Tendo tomado conhecimento que a Câmara Municipal da Amadora (CMA) tem levado a cabo demolições e despejos violentos no Bairro 6 de Maio, despejando famílias, crianças, idosas(os)  e pessoas doentes e sem que seja apresentada qualquer alternativa de alojamento.

Lembrando que o Provedor de Justiça fez, no final de Agosto, uma recomendação alertando para as violações de direitos humanos, assim como as violações do direito administrativo, cometidas pela CMA, assim como a revisão do Plano Especial de Realojamento de 1993, reconhecendo que este é um instrumento manifestamente desactualizado.

A decisão foi tomada na sequência da apresentação, em Julho de 2012 de queixa colectiva apresentada pela Habita, e de um pedido de averiguação dos factos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos no que concerne aos despejos e demolições realizadas pela Câmara Municipal de Amadora, no Bairro de Santa Filomena, causando extremo sofrimento à pessoas envolvidas, grande parte delas ainda hoje sem alternativa habitacional decente.

Lembrando que decorre, durante o mês de Outubro, os 31 dias por um melhor Futuro Urbano, com vista a permitir a reflexão sobre o estado das cidades e do direito humano à moradia adequada, assim como lembrar ao mundo a sua responsabilidade colectiva sobre o habitat das gerações futuras.

Face ao exposto, e considerando que CMA demonstra assim um total desrespeito pelos mais elementares direitos humanos, alimentando uma situação de emergência social inaceitável, vimos por este meio:

  • solicitar ao Governo que assuma as suas responsabilidades em termos de protecção social e assegure o direito à habitação das famílias que foram despejadas no bairro 6 de Maio na Amadora, articulando com o IHRU e Segurança Social alternativas para as pessoas.
  • Exigir que a Câmara municipal da Amadora suspenda as demolições no sentido de se encontrarem soluções em diálogo com o Ministério do Ambiente e o IHRU.
Ambas as reivindicações são básicas, vão no sentido do Estado assegurar aquilo que deveria ser a sua função, promover a vida e a dignidade humana e desenvolver uma política pública que responda às necessidades sociais.

Apelando a uma actuação célere,

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Especulação não! Direito à habitação!

Lançamento em Portugal da campanha #ourcitiesnot4speculation promovida no âmbito da Aliança Europeia pelo Direito à Habitação e à Cidade.

dia 8 de Outubro
Sábado às 14:00 - 14:30
na Rua do Carmo

#EuropeNot4Sale, #OurCities #StopEvictions #StopDesahucios #StopDespejos

Por toda a Europa, as cidades estão a ser dilaceradas e refeitas segundo a visão das elites. Os bancos e a finança estão a lucrar tanto com prédios novos como com prédios velhos. Esta lógica de regeneração concentra o dinheiro em determinados territórios e expulsa pessoas desses territórios. O Estado promove a visão da habitação como um investimento, tendendo a pôr o nosso dinheiro onde estão a classes mais altas. Este modelo é insustentável, mas o sector financeiro ganha com ele, a curto prazo.

A nossa visão é de uma cidade diferente - não apenas a cidade antes do neoliberalismo, mas uma cidade que o derrote. Nós sabemos, por experiência, que comunidades empoderadas alimentam uma verdadeira democracia e cidades que sirvam as pessoas. Alguns e algumas de nós vimos dessas comunidades, e lutamos por elas, mas partilhamos a ideia de que habitantes com poder são um meio e fim na luta pelo direito à habitação e à cidade. Queremos construir alternativas concretas e, ao mesmo tempo, exigir ao Estado o empenhamento em habitação digna e acessível.

O empoderamento vem da acção, de sentir a nossa força colectiva. É desta forma que, durante o mês de Outubro que muitos grupos da Aliança Europeia pelo direito à habitação e à cidade irão promover acções contra a especulação. Esta especulação causa despejos, expulsões e nega às pessoas o seu direito a uma moradia decente e acessível. Defendemos estes direitos, impedimos despejos, e agora passaremos à ofensiva. Terão lugar acções em Espanha, França, Bélgica, Reino Unido, Itália, Chipre, República Checa. Hungria, Grécia, Portugal e eventualmente em mais países. Promoveremos também acções em solidariedade com lutas em todo o mundo, como parte do Mês de Acção pelo Direito à Habitação. À medida que aumentam os despejos e o tempo arrefece, a especulação financeira é responsável por mortes de milhares de pessoas por toda a Europa, de pessoas tentando chegar a Europa à procura e refúgio,

Sabemos o que queremos para as nossas cidades, e não é a especulação. Junta-te a nós e faz saber ao sector financeiro que não manda tanto quanto julga. Esta jornada de acção faz parte de uma mobilização global pelo direito à habitação, à cidade, à terra e ao habitat, porque estão em curso, por todo o mundo, processos muito fortes de privatização e exclusão de habitantes.

https://www.facebook.com/events/950776071716879/

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Câmara Municipal da AMADORA assinala o Dia Mundial do Habitat, promovendo demolições e despejos violentos

A Câmara Municipal da Amadora (CMA) retomou hoje, no dia Mundial do Habitat, as demolições e os despejos violentos no Bairro 6 de Maio, violando os mais elementares direitos humanos e ignorando as recomendações do Provedor de Justiça.
Durante a manhã de hoje foram despejadas quatro famílias, crianças e mulheres idosas   doentes. Nenhuma família foi notificada previamente e não tem qualquer alternativa de alojamento. A CMA demonstra assim um total desrespeito pelos mais elementares direitos humanos.
Lembramos que o Provedor de Justiça fez, no final de Agosto, uma recomendação alertando para as violações de direitos humanos, assim como as violações do direito administrativo, cometidas pela CMA. O Provedor de Justiça propôs ainda a revisão do Plano Especial de Realojamento de 1993, reconhecendo que este é um instrumento manifestamente desactualizado. A decisão foi tomada na sequência da apresentação, em Julho de 2012 de queixa colectiva apresentada pela Habita, e de um pedido de averiguação dos factos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos no que concerne aos despejos e demolições realizadas pela Câmara Municipal de Amadora, no Bairro de Santa Filomena. 
Estes despejos ocorrem no dia mundial do HABITAT, que é celebrado anualmente na primeira segunda-feira de Outubro, em todo o mundo. Este dia foi designado oficialmente pela ONU e celebrado pela primeira vez em 1986, com vista a permitir a reflexão sobre o estado das cidades e do direito humano à moradia adequada, assim como lembrar ao mundo a sua responsabilidade colectiva sobre o habitat das gerações futuras.
Infelizmente estes despejos e demolições violentas vêm demonstrar que, num mundo onde há cada vez mais privatização e açambarcamento de terra, gentrificação e desregulação dos direitos das pessoas, o dia não é de celebração, é de protesto. Durante o mês de Outubro, em muitas cidades europeias vão haver acções de protesto, promovidas no âmbito da Aliança Europeia pelo Direito à Habitação e à Cidade.

Dia mundial do Habitat | As cidades não são para a especulação!

Hoje é o dia mundial do HABITAT, que é celebrado anualmente na primeira segunda-feira de Outubro, em todo o mundo. Este dia foi designado oficialmente pela ONU e celebrado pela primeira vez em 1986, com vista a permitir a reflexão sobre o estado das cidades e do direito humano à moradia adequada assim como lembrar ao mundo de sua responsabilidade colectiva sobre o habitat das gerações futuras.

Mas, num mundo onde há cada vez mais despejos, mais privatização e açambarcamento de terra, gentrificação e desregulação dos direitos das pessoas, o dia não é de celebração, é de protesto!

Durante o mês de Outubro, em muitas cidades europeias vão haver ações de protesto, promovidas no âmbito da Aliança Europeia pelo Direito à Habitação e à Cidade.


sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Numa recomendação histórica, o Provedor de Justiça defende a revisão do PER

O Provedor de Justiça recomendou ao Governo, no final de Agosto, a revisão do Programa Especial de Realojamento (PER) de 1993, por ser considerado um instrumento "manifestamente desactualizado" e propôs um série de medidas que vão no sentido de dar uma resposta condigna às pessoas envolvidas.

Esta recomentação surge na sequência da apresentação, em Julho de 2012 de queixa colectiva apresentada pela Habita, e de um pedido de averiguação dos factos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos no que concerne aos despejos e demolições realizadas pela Câmara Municipal de Amadora, no Bairro de Santa Filomena. De entre as medidas propostas na recomentação, disponível aqui, destacam-se as seguintes:
  • Proceder a novas formas de recenseamento que permitam encontrar soluções condignas para os moradores excluídos do recenseamento inicial, tendo especial atenção aos agregados compostos por crianças, idosos e cidadãos com deficiência;
  • A afetação dos terrenos indevidamente ocupados à execução de programas de realojamento; 
  • Privilegiar a implementação de programas complementares de apoio, promovendo a habitação a custos controlados para arrendamento ou venda, com aproveitamento de fogos devolutos e incentivando o recurso ao arrendamento apoiado em concelhos limítrofes realizado de forma coordenada.
Lamentamos o facto de ao longo dos últimos anos milhares de pessoas terem sido despejadas sem qualquer alternativa por vários municípios - com o município da Amadora à cabeça -, com  grande violência e atropelos aos direitos humanos. Por isso, a esta é uma recomendação histórica, que vai no sentido para pôr cobro de um programa hoje absoluto e de defender alteração da lei e das práticas assentes na salvaguarda do direito à habitação.

Esperamos que este documento provoque uma tomada de consciência junto da Câmara Municipal da Amadora, fazendo-a suspender o processo e procurando com o Governo soluções de realojamento adequadas às pessoas Esta realidade não afecta apenas o Bairro de Santa Filomena e o 6 de Maio mas muitos outros bairros ainda existentes.  

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Sobre as alterações à legislação do arrendamento urbano

Têm sido anunciadas algumas informações sobre alterações ao NRAU (Novo Regime de Arrendamento Urbano). A associação Habita vem manifestar algumas opiniões e propostas no âmbito da vasta experiência na defesa do direito à Habitação e à Cidade.
1 –Tem sido anunciado na comunicação social o congelamento das rendas durante mais cinco anos. Essa informação está totalmente desfasada da realidade. Na verdade as rendas  não estão congeladas desde o início dos anos 90. E apenas os contratos anteriores a 1990 estavam sujeitos a um arrendamento controlado com atualização anual.
Com a entrada do novo regime de arrendamento urbano em 2012, as rendas anteriores a 1990 foram sujeitas a novos aumentos, muitas para valores de mercado livre, sendo criado um regime de transição, com aumentos faseados, para pessoas com mais de 65 anos e rendimentos baixos, com incapacidade superior a 60%, ou com rendimentos médio-baixos, coletividades e empresas de baixa faturação. As rendas não estão por isso congeladas há muito.
2 – Saudamos o alargamento do período de transição para pessoas com mais de 65 anos e, simultaneamente com rendimentos baixos, ou com incapacidade superior a 60%. No entanto, preocupa-nos que os restantes casos previstos anteriormente na lei tenham ficado de fora deste prolongamento. Por exemplo, a situação das pessoas com menos de 65 anos e com rendimentos baixos já não estará  contemplada. Estas ficaram fora do novo período de transição. Consideramos que o Governo não poderá deixar estas famílias desprotegidas, devendo salvaguardar a protecção dos arrendatários que não têm forma de fazer face aos aumentos previsíveis para 2017.
3 – Saudamos que dois dos problemas principais da lei do arrendamento tenham sido igualmente levantados, mas aguardamos expectantes a resolução no que diz respeito:
a)  À extinção do Balcão Nacional do Arrendamento, cuja única função é a agilização do despejo retirando-o da alçada dos tribunais, principal garante dos direitos e garantias dos cidadãos. A única situação que nos parece aceitável e respeitadora de Estado de Direito é que os litígios e conflitos voltem aos tribunais e que seja extinto o BNA;
b) À revisão da possibilidade de despejo através da mera alegação, por parte do senhorio, da realização de obras profundas (nem sequer comprovada), principal mecanismo para os despejos e expulsão de população das nossas cidades no sentido da promoção dos projetos turísticos e/ou da reabilitação destinada a um sector de luxo, que procuram apenas alta rendibilidade, aniquilando qualquer direito à habitação e à cidade. Este mecanismo de expulsão e de profunda instabilidade no arrendamento não pode continuar.  É necessária a reintegração do inquilino.
4 - Perante os milhares de despejos provocados pela nova lei, é preciso, com urgência, apoio e alternativas de habitação adequada para quem se encontre em situação de carência económica. Não podemos continuar a assistir a milhares de despejos ou a situações de pessoas sem casa, sem nos perguntarmos o que acontece a estas famílias, qual o seu nível de desespero, se vivemos num Estado de Direito que respeita o direito à vida e os restante direitos fundamentais.
Sendo a habitação uma necessidade e um direito fundamental, o Estado tem e assumir o seu papel, assegurando formas de provisão verdadeiramente acessíveis à população e uma efetiva regulação do mercado. Temos muitas dúvidas que apenas a criação de regimes de incentivos, como seja um seguro de renda, sejam eficazes para fazer face à especulação, repercutida em aumentos na ordem dos 20 a 30% nas grandes cidades, completamente desadequados à realidade económica e social das famílias, então empurradas para uma crescente vulnerabilidade social.
A habitação social é residual no nosso país e estigmatizada, vista com preconceito até pelas instituições do Estado. No entanto, precisamos de mais habitação pública que satisfaça as necessidades sociais. Os subsídios de renda, reivindicação dos proprietários, serão uma forma de manter o arrendamento elevado e provocar grande rombo nas contas públicas, sem grande sustentabilidade. Assim, o gasto público deverá ser feito encontrando formas de manter as rendas a um nível aceitável, e a desenvolver outras formas de habitação para além do mercado. Por outro lado, é necessário o controlo da especulação imobiliária. Tememos que as chamadas "rendas acessíveis" não venham a ser acessíveis à maior parte da população que dela necessita. Simultaneamente, verifica-se a premência de um amplo processo de revisão à actual lei das rendas de forma a garantir o reequilíbrio de direitos entre proprietários e arrendatários.
É de extrema relevância o trabalho parlamentar desenvolvido no sentido de salvaguarda do direito à habitação. No entanto, tem de ser assumido o efeito nefasto da especulação no sector da habitação, garantindo, através na própria legislação, a regulação, e a protecção para todos, em particular face aos despejos aquando de situação de carência económica É necessário respeitar de forma efectiva os direitos e garantias fundamentais. Esse é o mandato e a responsabilidade do Estado.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Mas afinal o que se passa com a habitação em Lisboa e que propostas poderíamos defender?

O aumento do preço da habitação em Lisboa é, sem exagero, alarmante, e finalmente muita gente começa a falar sobre o assunto. Notícias como a subida abrupta no ranking das cidades mais caras do mundo devido ao preço do arrendamento, ou que em três anos o preço da habitação em Lisboa aumentou na ordem dos 22%, e a escassez de casas para arrendar são um problema sério. Tem-se falado do turismo e do alojamento local como as razões para o que está a acontecer. Mas reduzir o debate apenas a essas questões não nos leva muito longe. É preciso pensar, em primeiro lugar, como viemos aqui parar, onde estão as responsabilidades e, a partir daí, que respostas poderemos desenvolver. Este texto pretende ser um contributo.

A primeira causa para o que está a acontecer foi a liberalização do mercado de arrendamento, leia-se, o aumento das rendas antigas e a abertura de vias verdes para o despejo, através do anúncio de obras (sem necessidade de reintegrar o inquilino), precarização dos contratos e a criação dos balcão nacional do arrendamento (que só serve para despejos) retirando-o da alçada dos tribunais numa clara violação das garantias de protecção que os inquilinos têm de ter. Este processo desequilibrou drasticamente a balança para o lado dos proprietários. Esta foi uma medida querida da troika – alta representante do capital financeiro – escrita no memorando, que já antevia a nova área de negócio que aí vinha: reabilitação, arrendamento, mercado de luxo, turismo. É que o arrendamento com direitos dominava os centros das cidades e não podia continuar assim para os novos projectos que se anteviam, que necessitavam de despejar sem constrangimentos de maior.

É preciso que se desminta, desde já, mais um mito urbano: que o abandono da cidade e a degradação durante anos, se devia à anterior lei das rendas. Não, o abandono dos centros das nossas cidades deveu-se a um modelo, apoiado e subsidiado por uma política do Estado, compra de casa nova, crédito à habitação e expansão das cidades, que fez com que todo o investimento fosse direccionado para aí. Este modelo, como sabemos, esgotou-se, e os mesmos interesses, viraram-se agora para a reabilitação e para o mercado de luxo e das altas rentabilidades. É por isso que a maior parte dos edifícios que estão (e estiveram) vazios e degradados no centro da cidade são e eram de fundos de investimento imobiliário e promotores. Estavam apenas à espera do momento.

Portugal tem vindo a desenvolver nos últimos anos uma espécie de offshore imobiliário, quer seja os Vistos Gold, quer seja o estatuto de residência não habitual para estrangeiros, que lhes dá a possibilidade de não pagar IRS, em troca de cerca de 180 dias de permanência no país. O impacto destas medidas é elevado, uma vez que há milhares, sobretudo reformados, a fixar residência em Portugal de forma a deixar de pagar impostos. A compra de habitação e a sua rentabilização sobretudo no arrendamento temporário estão a fazer caminho. Os fundos de investimento imobiliário e outros, também continuam sua longa tradição de não pagar impostos1.

A promoção do alojamento local, através de um sistema fiscal bastante mais vantajoso do que o arrendamento, em que só se pagam impostos sobre 15% dos rendimentos, foi a cereja no topo do bolo. Mas o alojamento local não é todo o mesmo, há os pequenos proprietários que organizam este negócio com uma casa que têm, para compensar a perda de trabalho e de rendimentos que a austeridade trouxe, mas também os fundos de investimento imobiliário, que reabilitam e vendem para o segmento de luxo e gerem modalidades de arrendamento temporário de muitos apartamentos, e usufruem dos mesmos benefícios fiscais. Desta forma, o AL está a subtrair milhares de casas ao arrendamento.

A Autarquia abdica de todas as suas funções de regulação, equiparou o alojamento local a habitação e por isso o licenciamento é o mesmo. Manuel Salgado tratou de liberalizar também os planos de ordenamento, é tudo uma questão de mercado, segundo ele, a regulação só atrapalha. Entretanto, fez dezenas de planos de pormenor à medida exacta de proprietários e promotores, liberalizou o PDM, o Plano de Salvaguarda da Baixa, etc.

A CML anuncia, no entanto, uma reacção – Lisboa Para Todos – um rótulo eficaz, quiça o mote para a campanha eleitoral que se aproxima: este programa irá colocar através de uma espécie de parceria pública privada, cujos contornos não conhecemos na totalidade, entre 5 a 7.000 casas no mercado para arrendamento (menos de metade do que as que estão hoje no alojamento local). Estas casas com renda acessível (que ainda não sabemos o que é) será sorteada para famílias com rendimentos entre os 7500 e os 40.000 euros por ano. Podemos retirar daqui pelo menos duas conclusões: a primeira é que a autarquia, apesar de celebrar o que se passa na cidade, admite que o mercado de habitação se tornou inacessível à esmagadora maioria da população, pois se é necessário criar habitação acessível para famílias até aos 40.000 euros por ano, é admitir que cerca de 97% da população não encontra habitação acessível. Por outro lado, ao deixar de lado, aquelas que têm rendimentos anuais menores que 7500 euros, está a excluir uma grande faixa de população, pois que, de acordo com o ministério das finanças a percentagem que está abaixo disso é muito elevada. Mas significa também um preconceito, que afinal Lisboa não é para todos(e todas!). Este programa não será para muitas famílias precárias, do salário mínimo, ou abaixo disso, dos part-times, ou dos desempregados; significa que essas pessoas são para as listas de espera (e sem resposta) dos bairros sociais, o local dos pobres, ou inevitavelmente expulsas da cidade. Como o mercado está como está, a escassa política social redirecciona-se para a chamada 'classe média' e acaba de vez com qualquer política para os sectores mais empobrecidos da população que há muito esperam e desesperam.

Pode haver outras soluções, diversas, de âmbito mais estrutural, que não têm de passar pela discriminação dos pobres e por PPPs se o poder público assumir as suas funções.

Em primeiro lugar, alterar a lei do arrendamento urbano. Repor a garantia de protecção do inquilino perante o despejo e parar os despejos por obras.

É preciso acabar com o offshore imobiliário para estrangeiros, por um lado, e por outro, distinguir grandes de pequenos proprietários. São os grandes proprietários que têm a capacidade de mandar na cidade, movimentam interesses, mexem nos preços, não pagam impostos. Esta situação tem de ser invertida. Se os grandes proprietários começarem a ter tributação justa, na proporção dos ganhos que fazem, teremos mais recursos para uma política pública de habitação e maior capacidade de regulação.

Relativamente ao alojamento local, distinguindo grandes e pequenos pequenos proprietários, é necessário aproximar os sistemas fiscais do arrendamento permanente e do AL de forma a não se preferir o segundo por esse motivo. Assim como é fundamental a distinção entre o que é habitação e o que é AL, a sua monitorização e regulação, através de licenças, de forma a não desequilibrar a oferta de habitação na cidade. No momento actual uma moratória a mais AL e Hotéis era o mínimo para de alguma forma travar o processo e começar a criar outras medidas.

Criar mecanismos de controlo do arrendamento, como tectos máximos para o arrendamento e limites à subida quando há mudança do contrato são outras possibilidades. Muitas cidades assim o fizeram. Por exemplo, Nova Iorque, no seu tempo cosmopolita, de diversidade social e cultural que, exactamente pelo fim do controlo do arrendamento e da gentrificação, perdeu muito dessa riqueza e hoje deixou de ser a cidade interessante que foi.

Seria muito útil que Câmara e Estado central parassem o processo de alienação de habitação que desenvolveram nos últimos anos. A política de arrendamento público deve ser promovida, inclusivamente com a possibilidade de requisição de habitação vazia para integrar bolsas de arrendamento. Assim como a criação de mecanismos de garantia de percentagens de habitação acessível para arrendamento (para todos e todas a sério) nos planos de ordenamento de território, novas urbanizações e planos de regeneração urbana, de acordo com as necessidades reais (da mesma forma como se define os espaços verdes e os equipamentos, também a habitação social deveria estar estabelecida, sem ser confinada aos guetos.

Estas são apenas algumas propostas de reformas e regulação, que permitiriam um reequilíbrio perante a ditadura dos mercados, que nos retiraram o direito à cidade, não só de a habitar, mas também de nela participar verdadeiramente. É o mercado que hoje tem a passadeira vermelha estendida. Ter a passadeira estendida aos direitos, são outros 500.

Rita Silva


1Apesar de finalmente se ter acabado com a isenção de IMI e IMT dos FII. Estes encontraram o típico alçapão na lei, provavelmente feito à medida, para continuar a não pagar. Ver Artigo 9º, 1 e) do código IMI

terça-feira, 10 de maio de 2016

Participação da Habita65 na consulta pública ao HABITAT III- Relatório Nacional para a III conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre habitação e desenvolvimento urbano sustentável

Durante o período de 14 de Março a 12 de Abril esteve aberto à participação pública o relatório nacional relativo à contribuição portuguesa para a terceira conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre habitação e desenvolvimento urbano sustentável que decorrerá em Quito (Equador) em Outubro de 2016. A Habita65 participou, contribuindo com importantes questões não levantadas no relatório, bem como apresentando propostas de intervenção decorrentes da sua experiência e aproximação às questões relativas ao direito à habitação e à cidade.
O relatório base sobre o qual foi feita a participação e disponível a partir de plataforma própria (http://habitatiii.dgterritorio.pt/), coordenado pela Direção-Geral do Território (Ministério do Ambiente), estruturava-se sobre vários domínios temáticos, nos quais a questão do direito à habitação e à cidade emerge de forma mais ou menos direta. Demografia urbana, ordenamento do território e planeamento urbano, ambiente e urbanização, governança urbana e legislação, economia urbana e habitação e infraestruturas básicas eram os seis domínios sobre os quais se debruçava este relatório.
Cada capítulo organizava-se cm base numa série de questões, sendo cada um deles fechado por “questões e desafios futuros a abordar numa Nova Agenda Urbana”, transposta para a plataforma de participação em bloco e com um espaço de participação (bastante) reduzido, limitando assim, as possibilidades apresentadas por um sistema de participação ativa.
Neste contributo, foram levantadas algumas questões nomeadamente ao impacto da alteração ao Regime Jurídico do Arrendamento urbano e número de pessoas desalojadas ao abrigo desta alteração legislativa (Capítulo II - Ordenamento do Território e Planeamento Urbano), ao longo do relatório nunca apresentado como instrumento jurídico acelerador de processos de despejo, mas sempre, e de uma forma unilateral, como potenciador da “renovação socioeconómica especialmente das zonas centrais (Nações Unidas- Habitat III. Relatório nacional- Portugal, 2016, p. 45).
As questões da reabilitação e regeneração urbana, plasmadas no debate acerca do próprio direito à cidade, eram aqui focadas no capítulo IV- Governança urbana e legislação. Promover processos de reabilitação urbana estruturados a partir de medidas de combate à expulsão de residentes, nomeadamente mecanismos de controlo e de apoio ao arrendamento, apoio aos moradores locais, fomento de habitação pública -bolsas de arrendamento e obrigatoriedade de habitação social nos novos licenciamentos de edifícios de habitação plurifamiliar, foram alguns dos contributos apresentados pela Habita65 neste capítulo. De fora ficou uma série de questões relativas à democratização da vida nas cidades, como o próprio acesso transparente à informação e direito à participação efetiva na sua regulação e tomadas de decisão sobre as dimensões urbanas fundamentais para a sua vida, entre estas habitação, espaço público, equipamentos, e transportes.
No capítulo seguinte, “Economia Urbana”, um dos pontos focados era o financiamento da habitação, não se verificando qualquer incidência da análise nas pessoas, nomeadamente no que diz respeito à dimensão de pessoas que perderam a casa para os bancos, nem se quer ao próprio destino e gestão dessas habitações por parte de fundos imobiliários, bancos, etc.
Neste capítulo, e como “questões e desafios futuros a abordar numa Nova Agenda Urbana”, a Habita65 ressalvou a necessidade de olhar particularmente para o número de casas vazias em Portugal e respetivos proprietários, pouco penalizados pela retenção destas habitações e consequente especulação do mercado imobiliário.
Havendo lugar a uma participação mais alargada, mais seria acrescentado enquanto contributo para as questões e desafios futuros: a necessidade de restruturar as dívidas ou as prestações bancárias decorrentes do crédito para habitação, recorrendo, por exemplo, a uma renda social adequada ao rendimento familiar, evolutiva, seria uma das propostas a apresentar neste contexto.
“Habitação e infraestruturas básicas” era o mote do capítulo seguinte. Debruçando-se sobre as políticas e programas de habitação que tiveram lugar a última década do século XX, este capítulo deixou de parte – tal como os próprios programas- uma percentagem grande da população, não fazendo qualquer referência ao número de pessoas que ficaram- e foram sendo postas de parte- no Programa Especial de Realojamento (PER), ou até mesmo às listas de espera para habitação social, quer num contexto de administração central – IHRU- quer, no contexto municipal.
Dos contributos para uma ação futura assinalou-se a necessidade de criar mecanismos prévios a qualquer forma de despejo, garantes de uma avaliação das condições das famílias e das alternativas existentes de forma a salvaguardar a sua dignidade: suspensão de todos os despejos por motivo económicos; a criação de uma estrutura ou programa do Estado que avalie a situação económica e alternativas Processo simultâneo de auditoria aos protocolos e contratos de financiamento PER e PROHABITA, de forma a avaliar e reestruturar os programas de realojamento: novo recenseamento; dotar o PROHABITA da capacidade financeira para realojar de forma permanente (e não temporária) os agregados que ficaram fora do PER.
Desenvolver uma nova lei para o regime de arrendamento apoiado, em diálogo com os moradores, suas associações e comissões de moradores; também desenvolver um plano urgente para as pessoas sem casa com base num censo claro e sério do número de pessoas sem-abrigo, e/ou que vivem em quartos e pensões.
A base de participação da Habita65 foi, não só a análise da realidade a partir do terreno, mas também o documento produzido pela Associação em Janeiro de 2016, base para as audiências com os grupos parlamentares (http://www.habita.info/2016/01/habita-inicia-ronda-de-audiencias-com.html) no mesmo mês. De fora, ficaram muitos contributos que seriam úteis para caracterização e, fundamentalmente, revisão no entendimento atual do próprio direito à habitação e à cidade.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Habita inicia ronda de audiências com partidos para discutir situação de emergência habitacional

 A Habita - Associação pelo direito à habitação e à cidade inicia hoje uma primeira ronda de audiências com os partidos com representação parlamentar.
Em cima da mesa estará a situação de emergência habitacional vivida hoje em Portugal. Nestas audiências será entregue um dossier de análise da situação, assim como algumas propostas de medidas a tomar, a curto e a médio prazo, no sentido de:
1.     Não haver despejos sem que se assegure um teto digno;
2.     Que a primeira habitação própria e permanente não possa ser penhorada;
3.     Aumentar urgentemente, e em número suficiente, a oferta pública de habitação com rendas adequadas ao rendimento das pessoas;
4.     Implementar um efetiva regulação do mercado de habitação, combatendo a especulação imobiliária;
5.     Valorizar a reabilitação urbana na sua diversidade, garantindo a manutenção da função residencial e a proteção social;
6.     Desenvolver um plano urgente para as pessoas sem casa;
7.     Democratizar verdadeiramente a vida nas cidades para que todos os seus e as suas habitantes tenham direito ao seu usufruto, acesso transparente à informação e direito à participação efetiva na regulação e tomadas de decisão sobre todas as dimensões urbanas fundamentais para a sua vida, entre estas a habitação, o espaço público, os equipamento, e os transportes.

Calendário de audiências agendadas:
Hoje, Terça-feira, dia 19
10h - reunião com a Deputada Helena Roseta, do Grupo Parlamentar do PS;
17h – reunião com o Deputado Pedro Soares, do Bloco de Esquerda.
Amanhã, quarta-feira, dia 20
14h, realizar-se-á audição com as Deputadas Paula Santos e Ana Mesquita, do Partido Comunista Português.

21 Jan Gentrificação e Turistificação: o caso do Bairro Alto em Lisboa