Nas ruas e becos do Bairro de Santa Filomena,
na Amadora, crianças e adultos convivem diariamente com a poeira e os destroços
deixados pelas demolições. Nos olhos de quem adivinha um futuro sem futuro para
os seus filhos é já visível a falta de esperança de quem veio, há muitos anos,
para Portugal, na expectativa de encontrar um pouco mais do que tinha em
Cabo-Verde. A vida foi-lhes madrasta, pois que o é quase sempre para quem já
nasce com a pobreza inscrita nos genes.
Muitos dos que habitam no Bairro de Santa
Filomena vieram para trabalhar na construção civil quando o Estado português
necessitava de mão-de-obra barata para as suas grandes obras públicas. Nos anos
90, enquanto o País se atapetava de betão, os corações de muitos imigrantes
enchiam-se da confiança de ter encontrado um lugar onde não faltavam o trabalho
e a comida na mesa. Construíram casas tijolo a tijolo, à medida dos seus bolsos
remendados, como tantos portugueses o fizeram – é só percorrer o País e olhar
com olhos de ver para as casas de milhares de pessoas, edificadas a pulso, em
que um tecto, um tecto apenas, é o objectivo único e final de tantas almas mal
abrigadas. Um resguardo que as proteja da chuva e dos olhares. Do vento e das
agruras do mundo. Do sol e de todos os desenganos. Um lar. Pobre, é certo, mas
um lar.
A euforia do betão terminou quando acabou o
dinheiro. Os sucessivos governos desbarataram recursos, encerraram fábricas,
acabaram com a agricultura, destruíram as pescas. Sepultaram um País e
chamaram-lhe crise. Uma crise sem culpados mas com vítimas. Entre elas, os
milhares de habitantes dos muitos bairros sociais que albergam cada vez mais
gente.
“Todos têm direito, para si
e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de
higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade
familiar”, pode ler-se no Artº
65 da Constituição da República Portuguesa. Os habitantes do Bairro de Santa
Filomena não conhecem a Constituição. A Câmara da Amadora também não. Mas os
colectivos que defendem um País mais justo conhecem. É o caso do Habita, que tem denunciado
a situação que se vive num grande pedaço de terreno no centro da Amadora,
apetecível para empreiteiros, possível moeda de troca para muitos favores
políticos.
Ao Habita juntaram-se
outras vozes que recusam o silêncio. Entre essas vozes, estão a de Ana e Diogo,
dois jovens estudantes, finalistas do curso de Design de Comunicação da
Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Puseram pés ao caminho,
imprimiram fotografias dos moradores em grande formato, e concluíram, ontem, a
colagem das fotos dos rostos de adultos e crianças do Bairro de Santa Filomena,
nas casas que a Câmara Municipal de Amadora ainda pretende demolir. Porque a pobreza e a desgraça têm rosto, mas a solidariedade
também.
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