QUEM GANHOU COM A "BOLHA IMOBILIÁRIA"
Em Setembro
de 2007 a chamada “bolha imobiliária” rebentou por falta de liquidez dos
bancos. Os responsáveis pelos grandes centros financeiros e os políticos
disseram na altura que a coisa não era grave, que se resolvia. Não se resolveu.
Ao contrário, agravou-se, apesar da injecção massiva de milhares de milhões de
dólares e euros nos sistemas bancários e financeiros pelos bancos centrais
europeu, americano e de vários outros países. A crise instalou-se e alastra sem
fim à vista, há países à beira da bancarrota, a União Europeia e o Euro ameaçam
desmoronar-se. Cresce a miséria e o desemprego, atingindo valores nunca vistos,
o “estado social” é declarado um luxo e substituído pela caridadezinha, tudo
isto prenunciando uma catástrofe social em larga escala. Enquanto isso os muito
ricos estão cada vez mais ricos e apostados em levar a actual guerra do capital
contra o trabalho até ao fim.
É A
GANÂNCIA, ESTÚPIDO…
Entrámos no
quinto ano da crise que pôs fim a uma das grandes ilusões dos últimos 20 anos e
do liberalismo económico: a de que não vinha nenhum mal ao mundo com as fortunas
instantâneas e o enriquecimento ilimitado através da especulação imobiliária; de
que, ao contrário do que sustenta o (segundo eles) falido marxismo, os mercados
se auto-regulavam, estando portanto ultrapassada a época das crises cíclicas do
capitalismo, por obra e graça da globalização económica. À falência da incensada
teoria sobre o fim da história seguiu-se a das teorias económicas liberais e neoliberais.
A crise
estoirou porque o bancos deixaram de ter liquidez, ou seja, deixaram de ter
dinheiro real, vivo, em caixa para poder pagar os juros aos especuladores e
fazer face aos compromissos correntes. Os dados aparecidos na imprensa
económica permitem compreender como se chegou aqui e, mais importante, saber
que ela foi talvez o mais importante sistema de drenagem da riqueza das classes
trabalhadoras para ricas. A tal “bolha imobiliária” nasceu e cresceu nos EUA,
estendendo-se a todo o mundo, com a democratização do crédito à habitação, com
a baixa do preço do dinheiro (baixas taxas de juro), que em 10 anos caíram dos
13% para os 3% ao ano, e o alargamento dos prazos das amortizações dos 25 para
os 50 anos. Com as classes médias e mesmo algumas camadas proletárias a dispor
de mais dinheiro, permitindo-lhes assim investir em bens duradouros, na compra
de casa própria e no imobiliário, a procura cresceu e com ela os preços das
habitações, que foram ficando cada vez mais caras, com o valor dos imóveis a crescer
por vezes acima dos 10% anuais, enquanto os salários cresciam a menos de 3%. Ou
seja, o imobiliário tornava-se numa forma rápida e fácil de enriquecimento.
Para os menos abonados, uma boa forma de juntar um pecúlio capaz de acautelar o
futuro. Dez anos após o início deste processo especulativo (não foi o único,
basta que nos lembremos dos famosos “produtos financeiros” com que a banca nos
aliciava, sobre os quais nada sabíamos mas, sabemos agora, muitas vezes não
passavam de simples fraude, porque a nada correspondiam), o metro quadrado de
habitação já custava o dobro, enquanto os salários haviam subido menos de um
terço. Mas como o juro era baixo, a escalada dos preços no imobiliário não se
fazia sentir no bolso do consumidor, para quem o crédito parecia não ter fim.
Tudo parecia correr bem.
Este esquema
especulativo, tipo negócio em pirâmide, foi funcionando sem problemas enquanto
as taxas de juro se mantiveram baixas, permitindo um fluxo continuado e
crescente da procura, ou seja, a entrada de dinheiro vivo em quantidade. Com
lucros garantidos de 10 a 15% anuais (melhor só se consegue com o tráfico de
droga, armas e seres humanos), os especuladores não deixaram escapar a
oportunidade de inundarem o mercado, geralmente com dinheiro emprestado pela
banca, comprando casas que mantinham depois vazias por dois ou três anos,
revendendo-os então 20 a 40% mais caras. Com o açambarcamento, a oferta imobiliária
reduziu-se, o que se traduziu num aumento ainda maior dos preços das casas, que
dispararam.
Enquanto isso,
a construção civil, respondendo às necessidades do mercado, passou a construir
desenfreadamente para vender principalmente aos especuladores, para
açambarcamento. Foi o tempo áureo das políticas do betão, para contentamento
dos políticos que diziam que aquilo era crescimento e desenvolvimento
económico, e alegria dos construtores, especuladores e mercados financeiros,
que lucravam como nunca nesta economia de casino – a valorização dos capitais
aplicados pelos especuladores não corresponde a criação de riqueza.
Como era o
crédito barato que alimentava a especulação praticada pelas entidades
financeiras gestoras de fundos de investimento e de pensões, seguradoras,
imobiliárias, e banca, tudo se complicou em 2005, quando o Banco Central
Europeu, a Reserva Federal Americana e o banco central de Inglaterra decidiram
aumentar as taxas de juro de referência, preocupadas com as tenências inflacionistas
e o fraco crescimento das suas economias. Lentamente uma onda subterrânea
começou a crescer, fazendo sentir os seus efeitos dois anos depois, quando as
taxas de juro se tornaram insuportavelmente altas e as exigências bancárias
para atribuição de crédito se apertaram, reduzindo os anos das amortizações e
passando a exigir fiadores e outras garantias de solvência, o que provocou a drástica
redução da procura. Chegava assim ao fim o tempo do dinheiro barato, do crédito
fácil, e com ele a possibilidade das pessoas comuns poderem suportar os preços
inflacionados das habitações que haviam comprado ou de adquirir novas casas. As
dívidas à banca acumularam-se e cresceram, tornando-se incobráveis, o que
provocou um corte nos circuitos de circulação do capital. Até que em Setembro
de 2007 faliu o primeiro banco e se perfilou a possibilidade real das falências
em dominó, obrigando os bancos centrais a correr em seu socorro, injectando
milhões atrás de milhões, e os governos a procederem ao esbulho do povo para
que o grande capital não seja beliscado nos seus interesses.
FIM DE
FFESTA
Agora
assiste-se a um fenómeno curioso e impensável à três anos atrás, que é o dos
bancos, seguradoras e grupos financeiros realizarem leilões de casas tornadas devolutas
pela impossibilidade dos seus “proprietários” poderem pagar os empréstimo e
hipotecas. Os preços descem, nalguns países significativamente, como nos EUA,
Espanha e Portugal, mas estão longe de animar um mercado da habitação (venda e
aluguer) acessível, de acordo com a realidade económica dos respectivos países
e os rendimentos de quem trabalha. As “ondas de choque” já chegaram ao nosso
país e vão fazer-se sentir com toda a força nos próximos anos, agravadas pelo
facto de em Portugal nunca nenhum governo ter tomado qualquer medida
anti-especulativa, como multar pesadamente ou expropriar os que mantém casas
devolutas com fins especulativos. A nova lei das rendas, recentemente aprovada,
vai tornar a habitação mais cara e os despejos sumários, atingindo com particular
violência os reformados e os que viram as suas condições de vida degradar-se ao
ponto de já não poder satisfazer os compromissos com a banca. Muita gente vai
ser lançada na rua, bastantes sem casa e sem dinheiro, mas com uma dívida à
banca. Como o Estado não tem qualquer plano social para alojar esses pessoas, o
destino de muitos vai ser a rua e os bairros de barracas. A isso chama o
governo dinamização do mercado da habitação.
António
Barata
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