Artigo por Yves
Engler
Um
estudo recente acerca da variação da mobilidade social em cidades
norte-americanas descobriu que quanto maior é a segregação geográfica dos
residentes menos provável é a ascenção sócio-económica dos mais pobres. Por
outras palavras, quanto mais afastadas vivem as diferentes classes sociais mais
profunda se torna a desigualdade.
O estudo
Equality of Opportunity Project mostra que cidades relativamente compactas tais
como São Francisco, Nova Iorque e Boston apresentam maior mobilidade social que
cidades de maior extensão como Memphis, Detroit e Atlanta. Em São Francisco,
cidade relativamente orientada para o trânsito pedestre, por exemplo, uma
pessoa nascida no quintil mais pobre da distribuição de rendimento tem 11% de
probabilidade de alcançar o quintil mais afluente enquanto em Atlanta, cidade
mais orientada para a circulação automóvel, este número é de cerca de 4%.
Num
artigo acerca deste estudo o colunista do New York Times Paul Krugman condenou
a relação inversa entre a expansão urbana e a mobilidade social dos pobres (e
sem automóvel) incapazes de aceder aos empregos disponíveis. “A cidade pode ser
tão extensa”, escreveu ele acerca de Detroit, “que as oportunidades de trabalho
se encontram literalmente fora do alcance de pessoas encalhadas nos bairros
errados”.
Isto é
sem dúvida parte da explicação, mas ignora o impacto político mais amplo da
expansão urbana gerada pelo automóvel. Em Stop Signs: Cars and Capitalism on
the Road to Economic, Social and Ecological Decay, Bianca Mugyenyi e eu
sugerimos que os automóveis privados estimulam políticas de direita
(anti-igualitárias) ao acorrentar potenciais atores políticos aos seus
empregos, ao reduzir a mistura entre diferentes grupos sociais quando estão em
trânsito e atomizar comunidades em subúrbios.
Mas é
ainda mais fundamental que isso pelo facto do automóvel privado perpetuar a
dominação de classe de múltiplas outras formas. Desde a aurora da era auto que
o automóvel tem sido uma instrumento importante para os ricos se afirmarem
socialmente. Antes da submissão moderna ao automóvel, um automóvel privado era
visto como uma manifestação indiscreta e pomposa de riqueza. Uma edição de 1904
da revista agrícola, Gazeta dos Criadores, chamou aos condutores de automóveis,
“uma horda infâme, imprudente e sedenta de sangue de transgressores loucos e
ostentatórios” e em 1906 Woodrow Wilson, então presidente da Universidade de
Princeton, declarou, “a posse de um automóvel é uma demonstração de riqueza tão
ostentatória que irá estimular o socialismo”.
Entre os
ricos, o automóvel era popular em parte porque reafirmava o seu domínio sobre a
mobilidade, que havia sido ameaçado pelo transporte ferroviário. Antes da sua
ascensão em meados de 1800s a elite viajava de cavalo e carruagem, mas a
superioridade tecnológica do transporte ferroviário comprometeu a utilidade da
carruagem puxada por cavalos. Mesmo para pequenas deslocações, os elétricos
tornaram-se o modo de transporte favorito no início de 1900s. Mais acessíveis a
várias classes sociais, o comboio e o elétrico esbateram as divisões de classe.
O automóvel, por outro lado, oferecia uma forma exclusiva de viajar.
A
capacidade do automóvel criar distância social era apelativa para os primeiro
compradores. O proeminente historiador automóvel James J. Flink sublinhou que,
“aos olhos dos adeptos da inovação, o automóvel parecia oferecer uma solução
simples para alguns dos mais formidáveis problemas da vida americana associados
à emergência de uma sociedade urbana industrial”.
Num
automóvel em trânsito, pode permanecer-se separado daqueles percebidos como
socialmente inferiores. Em Down the
Asphalt Path's, Clay McShane escreve acerca do desdém das elites pelos
utilizadores de transportes públicos: “os autocarros eram sujos, barulhentos e
sobreocupados. Era impossível para um utilizador de classe-média isolar-se de
companheiros de viagem percebidos como socialmente inferiores”. Distanciar-se
de negros, imigrantes, trabalhadores de colarinho azul e, em geral, daqueles
estereotipados como inferiores, era muitas vezes o motivo pelo qual as classes
médias se deslocavam para os subúrbios”.
O
automóvel tornou possível viver longe dos pobres (ou de qualquer pessoa sem um
automóvel). Num dos casos mais extremos de segregação moderna, as pessoas
barricam-se em condomínios fechados. Ao longo dos Estados Unidos, especialmente
no Sudoeste “automóvel-cêntrico”, milhões de famílias afluentes refugiaram-se
nestas residências exclusivas e excludentes.
Se
queremos uma sociedade mais igualitária devemos reverter a segregação
geográfica e construir comunidades e cidades onde as pessoas possam deslocar-se
sem automóvel privado.
Artigo de Yves
Engler publicado no seu blog pessoal a 8 de Agosto de 2013, disponível em
http://yvesengler.com/2013/08/08/inequality-thrives-where-cars-dominate/
Tradução
de André Carmo para o HABITA
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