O MIPIM é a maior feira
do imobiliário do mundo que acontece, em ambiente de cocktail, desde há 25 anos
em Cannes. O bilhete de entrada são cerca de 2000 euros, não é para pés
rapados, mas antes para os grandes especuladores: promotores imobiliários,
bancos, fundos de investimento, construtoras, grandes ateliers de arquitetos e firmas
de advogados, e claro, os governantes de cidades e países que com os outros
bebem champanhe. Todos se juntam em Cannes – uma cidade onde os seus
trabalhadores não conseguem viver por não conseguirem pagar uma habitação –
para preparar os grandes negócios imobiliários onde se compram e vendem terras
do mundo inteiro, habitadas ou não, bairros, cidades, quarteirões; onde se
combinam grandes projetos de reconversão, onde se preparam os próximos
campeonatos do mundo de futebol deste mundo. São negócios em grande, de
milhares e de milhões.
Mas e o que é que
isso nos importa?
Este evento é um dos momentos altos que concentra no espaço
e no tempo o que acontece nas nossas cidades e economias desde há anos: especulação
imobiliária que vai construindo bolhas, que vai encarecendo a habitação, que vai
expulsando pessoas dos seus bairros e das suas terras. Por exemplo, o
campeonato do mundo de futebol este ano foi responsável pela expulsão de
moradores de bairros pobres, pelo encarecimento da habitação e da vida nas
cidades, de encerramento de equipamentos e de privatização de espaços no
Brasil. Sabemos também o que foram as consequências da bolha imobiliária nos
Estados Unidos da América: 4 milhões de famílias já perderam as suas casas; ou
do que se passa aqui ao lado, no Estado Espanhol com os despejos diários e o
desespero de muitas famílias; Ou como em Portugal, os principais proprietários
de casas vazias são os fundos de investimento imobiliário, que açambarcam
imóveis, segundo eles ativos financeiros, que terão de valorizar; em Portugal
temos também uma nova lei das rendas – acertada entre o governo e a troika no
memorando de entendimento - que pretende agilizar os despejos, facilitando
assim o acesso do capital ao centro das nossas cidades e assim avançam novos
projetos de valorização imobiliária: uma deriva hoteleira sem precedentes na
baixa, centenas de apartamentos de luxo
na Colina de Sant’Ana, no Príncipe Real, novas urbanizações na Matinha, em
Alcantara, o Vale de Santo António, tudo projetos caros que vão custar ainda
mais caro…. E entretanto temos quase um milhão de habitações vazias em
degradação.
Na verdade, 25 anos
de MIPIM correspondem a um processo de aprofundamento sem precedentes não só da
mercantilização das nossas casas e das nossas cidades como da sua financeirização. Ou seja, a
mercantilização remete para o mercado o controlo da habitação. Sem que haja
mecanismos de controlo dos preços ou desenvolvimento de alternativas, estes são
levados para cima pela expectativa rentista dos proprietários que podem esperar,
pois que a habitação é essencial para a nossa vida, não há alternativa, e assim
temos de nos sujeitar. A par da mercantilização vem a financeirização em que as
casas e a terra se tornam activos financeiros de empresas que se jogam nas bolsas mundiais. Como em
qualquer processo financeiro, torna-se difícil distinguir entre a realidade,
que é a vida das pessoas, e a ficção: Casas vazias ou terra limpa de gente vale
mais sem o empecilho humano; a expectativa de aprovação de novos projectos
imobiliários catapulta as acções de uma empresa para cima; a concentração de
propriedade constrói monopólios e ganha peso na bolsa; a expectativa e a promoção do turismo promove
a valorização de activos, assim como o faz uma nova lei de despejos. Compra-se
terra, preparam-se projectos de arquitectura, aprovados depois com a cumplicidade
de governantes locais, e a cotação sobe automaticamente; depois constrói-se
para o luxo e para sectores que podem pagar muito pela propriedade, o que trará
mais rentabilidade, e depois toda a envolvente se contagia pela euforia. O
desenvolvimento das nossas cidades fica na mão de operações financeiras complexas,
que nos ultrapassam, que não correspondem às necessidades reais da população.
No MIPIM ficámos a saber que a habitação social da Alemanha,
milhares e milhares de fogos em bairros muito extensos, estão a ser vendidos à
Goldman Sachs, no Estado Espanhol os milhares de casas perdidas pelas execuções
de hipotecas estão a ser entregues a um dos maiores fundos de investimento do
mundo, a americana Blackstone. Em Londres, os projectos de renovação urbana
promovidas através de parcerias publico privadas afastam as classes populares
dos seus centros, em França operações financeiras complexas são desenvolvidas
para privatizar e valorizar os HLM, a habitação social. Em Bruxelas, grandes
operações de construção de escritórios e hotéis vão demolindo bairros populares
antigos no centro da cidade; operações de compra e venda, demolição e
construção, num processo infinito de produção e apropriação capitalista, que
nos vai expulsando, que nos vai retirando dos nossos bairros, que nos vai
remetendo para periferias, que nos vai isolando e aprofundando o nosso processo
de alienação, que nos vai empobrecendo através de uma transferência de
rendimento do (nosso) trabalho para o capital também através do imobiliário.
Lisboa no MIPIM
Lisboa tem participado nos últimos anos nesta feira. O
Vereador Manuel Salgado com uma delegação da CML, da LISINVEST e ESTAMO vão lá, feitos heróis patriotas, na sua grande
missão de “atrair
investimento para a cidade”. No entanto é preciso dizer que estão
enganados, não é investimento, são operações especulativas que na verdade vão
empobrecer muitos à custa do enriquecimento de alguns. Lisboa precisa de
investimento, mas não de especulação. Lisboa
vai para mostrar que é uma cidade muito internacional, um hub, um tesouro
turístico onde os nossos prédios se podem transformar em hotéis e apartamentos
de luxo, em escritórios. Vão lá dizer que temos planos para construir mais,
seja na frente ribeirinha, seja na pedreira do alvito, seja na colina
de Santa’Ana, seja no Hospital Oriental, seja no Vale de Santo António. Vai
dizer que somos uma cidade de oportunidades, sobretudo com a crise, que baixou
o preço da mão de obra, que tornou o despejo mais fácil com a lei das rendas,
que tornou o investimento e a transformação da baixa também mais fácil com o
novo PDM, Plano de Salvaguarda da Baixa
em quarteirões de hotéis, um paraíso para as lojas de regalos e gourmet.
Lisboa afirmou
no ano passado como um dos seus grandes objetivos no MIPIM a atração de
investimento Russo, Angolano e Chinês,
sobretudo com
os vistos dourados e os preços de saldo; referem também o potencial como
centro financeiro da banca e seguros, a
capacidade de atração de multinacionais, ou como cidade da saúde e bem estar
que quer dizer turismo. Tudo isto pode parecer inofensivo, quiçá até bom, novos
postos de trabalho…, mas será? Será que o encarecimento da habitação, o
afastamento dos seus habitantes, a criação de mão de obra ultraprecária, a
perda de bairros populares, o encerramento de pequeno comércio, a privatização
de espaço público, será positivo para nós?
A CML que se preocupa tanto com o investimento não parece
estar com a dificuldade de acesso à habitação dos Lisboetas que vão tendo de
sair da cidade, ou com o despejo do pequeno comércio, ou com o peso das rendas
e dos créditos nos orçamentos familiares. Lisboa não pensa na necessidade de
penalização das casas vazias (taxas municipais, por exemplo) ou na constituição
de uma bolsa de habitação para arrendamento a preço acessível. Lisboa pensa
antes em termos de mercado e de como promover Lisboa no mercado especulador.
Isto é o que tem acontecido com as cidades do mundo. Os
poderes públicos cada vez mais se demitem de planear verdadeiramente a cidade,
de intervir nesta de forma a garantir que a cidade é para todos e se deve
desenvolver de forma a criar oportunidades, acesso e usufruto de todos e todas.
A tendência é a cidade neoliberal, a cidade que se desenvolve em função do
mercado. Se este quer manter milhares de casas vazias, não há nada a fazer; se
este quer uma lei que ajuda a despejar mais facilmente, faça-se; se este quer o
usufruto de uma praça, ou da frente ribeirinha, é o investimento; se este quer
fazer uma centena de hotéis no centro,
viva o investimento. Assim se desenvolve uma cidade menos democrática, que
expulsa as suas gentes, uma cidade desigual, que fica dependente do grande
capital e à sua mercê.
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