terça-feira, 13 de maio de 2014

As nossas casas não são os vossos casinos!


Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar
(Art.º 65º da Constituição da República Portuguesa)

Esta foi, desde o início, a reivindicação que esteve na base da luta contra as demolições e despejos forçados promovidos desde 2012 no Bairro de Santa Filomena, pela Câmara Municipal da Amadora. A gravidade da situação foi mais que denunciada: cerca de 40% dos e das moradoras de Santa Filomena estão excluídas de um Programa Especial de Realojamento (PER) de 1993, com mais 20 anos e, por isso, completamente obsoleto no seu recenseamento.

A solução menos onerosa para o erário público seria muito simples: suspender as demolições. Cada casa que a CMA destrói envolve a mobilização de recursos públicos - técnicos sociais, fiscais, polícias ou até bulldozers... - que poderiam ser usados de outra forma e com outros objectivos. Mais ainda: cada casa que a CMA destrói é um problema social, humano e económico criado. É que as casas podem ser destruídas, mas as pessoas não deixam de existir, assim como a sua necessidade e, sublinhe-se, o seu direito a ter um tecto digno.

Ora, o contra-senso disto tudo levanta a questão: porque razão a CMA insiste em seguir esta política desumana e irresponsável de urbicídio? Desconhecendo-se planos municipais para aqueles terrenos e sabendo-se que  não são públicos, mas antes geridos por uma das maiores sociedades gestoras de fundos investimento do mercado, inserindo-se num fundo cuja missão visa a criação de "condições de rentabilidade, segurança e liquidez" a questão ganha contornos ainda mais inquietantes, confirmando que, neste mundinho em que vivemos, o lucro vai pesando mais do que as pessoas.

Ainda que com contornos específicos, o caso de Santa Filomena não é o único, antes se insere numa tendência mais generalizada, em múltiplas escalas, de mercantilização do território e, em particular, da habitação. Ou será que caiu no esquecimento o que despoletou da crise financeira de 2008? E será que alguém terá dúvidas sobre quem tirará realmente proveito da liberalização do mercado de arrendamento? E perqgunte-se: como estarão a ser geridas muitas das situações de crédito de mal parado geradas pelo aumento do desemprego e da diminuição de salários e pensões?

A invocação lançada na Igreja Matriz da Amadora, em nome de velhos valores da dignidade humana, não podia ser mais actual e universal: as nossas casas não são os vossos casinos!

por Lídia Fernandes

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