sábado, 10 de maio de 2014

Carta ao Patriarcado

De: Comissão de Moradores de Santa Filomena Amadora
Colectivo Habita, pelo Direito à Habitação e à Cidade


EXMO. E REVERENDISSIMO SENHOR ´PATRIARCA DE LISBOA
DOM MANUEL CLEMENTE
Patriarcado de Lisboa

Assunto: EXPOSIÇÃO URGENTE

"Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: 'Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que foi preparado para vocês desde a criação do mundo. Pois eu tive fome, e vocês deram-me de comer; tive sede, e vocês deram-me de beber; fui estrangeiro, e vocês acolheram-me; necessitei de roupas, e vocês vestiram-me; estive enfermo e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês visitaram-me. Então os justos lhe responderão: 'Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos? Quando tem vimos enfermo ou preso e te fomos visitar? O Rei responderá: 'Digo a verdade: O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram'. (Mateus 25: 34-40)

Exmo. Senhor Dom Manuel Clemente

A passagem bíblica de Mateus não foi citada de forma despicienda mas a sua inscrição nesta missiva consubstancia, no seu espirito, o Apelo que desde há dois anos a esta parte os moradores do Bairro de Santa Filomena, na Amadora, têm vindo a fazer sucessivamente quer aos órgãos de política municipal deste país quer à própria igreja católica sem que tivessem obtido quaisquer apoios, solidariedade, reconhecimento da sua situação de emergência e vulnerabilidade.

Como sabeis não há potencial humano que floresça, vida que sobreviva, família que se constitua, felicidade que se almeje, e solidariedade que se partilhe em nome do bem comum e do próximo, se cada um de nós não tiver acesso ao mínimo de condições para viver.

Como se vê na passagem de Mateus, Deus precisou de um tecto para se acolher porquanto a falta de abrigo, como a de alimento e de roupa, constituem a privação de bens essenciais à vida.

Sem casa não existe família, não existe estabilidade emocional, não existe um abrigo de paz quando se regressa do trabalho, não existe um espaço para se cozinhar, para descansar e dormir, para celebrar quadras religiosas e festivas e para exercer quaisquer outros direitos e deveres sociais.

Pois, os moradores do Bairro de Santa Filomena, na Amadora, que lhe escrevem esta missiva, estão, desde esta terça-feira, sem tecto, sem casa e sem alternativa, vendo-se forçados a dormir na rua, eles e as suas famílias.

São mais de uma dezena de pessoas têm ficado na rua: mulheres, crianças, idoso, doentes, pessoas desempregadas. Nesta passada terça-feira foram três senhores sem emprego sem subsídio, uma delas com 60 % de incapacidade permanente e uma mulher sozinha, doente. Estão na iminência de ficar sem abrigo, a dormir na RUA.

Estas famílias viviam em casas, umas auto construídas outas compradas, há mais de 15 anos, nas quais tinham ali depositadas e investidas todas as poupanças de uma vida de trabalho.

Quando o estado precisou da sua mão-de-obra barata para as grandes obras públicas, não cuidou de proteger os seus direitos laborais (sempre com contratos precários) nem intercedeu para que fossem tratadas com respeito e dignidade. Agora, em situação de crise, o Estado tende a livrar-se delas, como despojos, como coisas que se mandam para o lixo.

Isto é inaceitável.

Ali tinham a sua comunidade, os seus vizinhos, os seus amigos e a sua capela (mandada erigir pela igreja matriz da Amadora há mais de 20 anos) onde se celebra a missa todos os Domingos.

Estamos a falar de famílias muito vulneráveis nesta situação actual de crise, sem emprego, sem subsídios, algumas com crianças a cargo, com a impossibilidade financeira de obter qualquer tecto no mercado privado e surpreendentemente sem direito a um tecto de habitação social atribuída pela Câmara Municipal de Amadora.

Aliás, tendo apenas aquele tecto, casa auto construída, para viverem, foi a própria Câmara Municipal da Amadora que num gesto de profundo desrespeito, insensibilidade, violação dos valores essenciais da vida e dignidade humanas, mandou abaixo as casas com bulldozers e colocou literalmente estes moradores a viver na Rua.

E Porquê?

A Câmara da amadora (CMA) tem vindo a demolir vários bairros na Amadora, e ao contrário do que diz, tem deixado as pessoas que estão fora do Programa Especial de Realojamento ( para habitação social) todas as pessoas que passaram a viver no bairro depois de 1993, ou seja, há mais de 25 anos, sem qualquer alternativa de habitação social, sem qualquer apoio, completamente na Rua. Ninguém está livre do despejo e do tratamento violento da CMA: Mulheres, mães sozinhas e desempregadas, homens, crianças, idosos/as, desempregados, doentes, etc.

Nesta terça-feira, a Câmara da Amadora voltou a surgir no bairro com a força policial, arrombando portas, retirando famílias à força de dentro das suas casas e destruindo o único tecto que tinham.

É de uma violência atroz, um atentado à pessoa humana, não existindo palavras para descrever a repressão a que se assiste, o desespero a tristeza e angústia das pessoas que, à hora do almoço desse dia, não sabiam onde iriam dormir nessa mesma noite.

Esta situação não pode continuar, as demolições não podem continuar a acontecer sem que alternativas dignas sejam estudadas. É a vida das pessoas que está em causa, a sua integridade física, a sua sobrevivência, assim como a sua dignidade, os seus direitos.

Não tendo o Estado desenvolvido mais nenhuma política de habitação pública após 1993, não pode assim destruir o único tecto a que as pessoas têm acesso e que podem suportar.

E a pergunta que se coloca é a seguinte: qual a razão pela qual só ao fim de 20 anos desde 1993 é que a Câmara toma esta atitude indigna violenta e repressiva?

A Câmara tem estado com muita pressa a demolir o terreno onde se encontra implantado há mais de 40 anos o Bairro de Santa Filomena porque o mesmo foi comprado pelo Fundo de Investimento Imobiliário do Milénio BCP (FII), uma operação que envolve uma expectativa para a instituição financeira de uma mais-valia potencial de mais de um milhão de euros.

No entanto o bairro já existia há mais de 40 anos, as pessoas que aí viviam também compraram partes desse terreno anteriormente, pagaram (e pagam) IMI, IMT, taxas de esgoto, agua e luz. É fundamental ver quais as prioridades da nossa sociedade. O interesse privado do FII é actualmente o único interesse da autarquia.

Como é possível que a Câmara não só ignore o estado de necessidade e de vulnerabilidade em que vivem estes cidadãos em consequência da crise, como ainda intervém directamente na colocação destes cidadãos em situações de risco e em estado de emergência permanente, ao demolir a único lar que tinham, o único local onde podiam dormir, descansar, cozinhar forçando-os a viver na miséria, sem dignidade, em permanente estado de emergência e desespero?

É fundamental a protecção das pessoas, é fundamental que as organizações e Instituições da nossa sociedade se envolvam, discutam e desenvolvam soluções para este problema que é de todos nós e não apenas daqueles que estão a ser despejados para o meio da rua.

Os moradores que ficaram esta semana na rua, estão desesperados, foram despejados pela CMA, não têm qualquer solução e não têm outro remédio que não procurar um abrigo, uma protecção.

Sem qualquer alternativa onde dormir, as pessoas, em desespero, vão ficar abrigados na Igreja Matriz da Amadora pois procuram um tecto e este foi o único que encontraram.

Esta é uma forma de gritarem, de apelarem à consciência colectiva de todos nós e de solicitarem também à Igreja Católica, à qual pertencem por baptismo, por fé e prática religiosa, apoio e envolvimento na protecção da sua dignidade, da sua vida.

A Igreja é o único reduto que encontram neste momento, a protecção de uma instituição que tem força para os apoiar e que professa, no âmago dos ensinamentos de Deus, os valores da dignidade humana, da necessidade de protecção da integridade do ser humano, que acredita no respeito dos direitos humanos e que coloca o ser humano acima de quaisquer interesses financeiros.

O que se pretende é que a Igreja permita que estas pessoas possam ter um tecto para viverem, ainda que temporariamente para fazer face a este Estado de Emergência e Necessidade em que foram colocadas pela acção directa da Câmara Municipal da Amadora. Seja através dos programas da Caritas, Misericórdias, Igreja Solidária, Centros Sociais e Paroquias.

Mas sobretudo e acima de tudo, os moradores apelam para que a Igreja se envolva a negociar com a Câmara Municipal da Amadora não só a suspensão obrigatória de todos despejos previstos para o Bairro mas uma alternativa habitacional a estas famílias que desde terça-feira não têm onde dormir e a todas as outras que a Câmara pretende pôr na rua sem alternativa habitacional.

Deste modo,
Apelamos à bondade e empenhamento de Vossa Iminência e da Igreja Local, para que consigamos uma solução digna, para estas pessoas que, pela forma que têm vindo a ser tratadas pelos organismos locais, parece que estão reduzidas a conhecerem apenas a vulnerabilidade e o sofrimento.

De Imediato, a do edifício do Centro Paroquial e Social da Amadora ou algumas residências da Caritas ou Misericórdia como refúgio.

Aguardamos um contacto
Pela
Comissão de Moradores e pelo Colectivo Habita

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